quarta-feira, 29 de julho de 2020

Sinhá Guabinha e a natureza do amor


Nada dói mais que amor sem eira, refletiu no alpendre do sobrado, de frente para a praça da Matriz. Eira é um espaço plano com um chão duro, onde os cereais eram malhados e peneirados, depois de colhidos, com vista a separar a palha e outros detritos dos grãos de cereais. Amor sem eira seria aquele amor onde não se tem onde trata-lo, aquele amor solto, sem ter como cuidar da sua intimidade. 

Desceu do sobrado, saiu na rua do Carvalho, passou pela ladeira das Lavadeiras, atravessou a Ponte das Velhas, do outro lado, numa trilha descalça e lamacenta, seguiu pisando as botas pelas beiradas até chegar na casa de Sinhá Guabinha, uma senhora de forças celestiais na Terra. Dizia-se que era um anjo revestido de gente. De idade não sabida, tão velha quanto o povoado, o recebeu com olhar terno e sorriso largo, abrindo os braços para um abraço. Era assim que recebia a todos.

- Sinhá Guabinha, vim aqui curar mal de amor.

- Se acomode, moço, que a tarde é lenta, os pensamentos é que tratam de ficar voando.

- Puxou o banco, enfiou as pernas e acomodou-se à mesa tosca onde tinha um bule de cafe  e biscoitos de nata.

- Eu sei o que o moço veio procurar, já sabia que vinha, disse a Sinhá.

- Então, Sinhá, o que eu faço?

- Meu filho, quando você a quis, ela não te quis, quando ela te quis, você a desprezou e agora um quer o outro, mas a vida andou, as coisas se moveram, as estações do ano fizeram suas partes, e as suas vidas fugiram do destino traçado.

- Verdade, Sinhá, mas eu a amo muito.

- Moço.ela também o ama muito.

- Então, Sinhá?

- Guardem este amor para si. Deixem a natureza cuidar de tudo, não peçam as interferências do céu, pois foram vocês que criaram esta situação.

- Então não tem nada para fazer?

- Moço, você a ama, ela o ama, então respeitem este amor e o entreguem ao Criador, e só ele saberá o que fazer.

- Mas Sinhá, e o tempo?

- Olha, moço, diferente de um rio que corre, o tempo não se comporta da forma como o percebemos. Passado, presente e futuro existem simultaneamente, mas em dimensões diferentes.

- Ou seja?

- Ou seja, vocês estão juntos para sempre em dimensões superiores. Tenha paciência, moço, tenha paciência.

- Gratidão, Sinhá!!!

- Vai com Deus, meu filho!

É isto aí!

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Gratidão!