quinta-feira, 5 de agosto de 2021

O velório, o neanderthal e a viúva


Pensei em algo para dizer naquele momento. Merda, para que vim parar neste velório? Logo eu que detesto velório. E sequer conheço o sujeito, sei que é irmão do patrão, mas me mandaram representar a empresa. Eu e minha boca. Para que eu fui falar que estava solidário com o chefe? Já decretei e registrei no Cartório de Registros e Notas da Minha Existência, o famoso CRENOME, que estou proibido de morrer, por que detesto velório - ah! Já disse isto, é que estou nervoso - velórios ...

Entrei de súbito e de estúpido no salão onde estava o esquife, guardando na sua parte interior o corpo sob milhares de rosas, flores, palmas, ramos, etc. No tumulto, fui sendo conduzido para próximo da urna mortuária, até que senti minha mão tocar a mão do ..., aiaiai meu deusinho dos mortos problemáticos, só pode ser a mão do falecido, gelada feito um cubo de gelo no inverno.

Senti a mão cadavérica se mexendo, gritei assustadoramente, e quanto mais gritava, mais a mão me prendia a ela, e uma voz feminina suave falava - Arnaldo, calma, Arnaldo, e eu ali, confuso, de olhos fechados, aquela multidão inútil ao meu redor e a voz falou novamente, Dodô, para com isto. Parei por um milésimo de segundo e pensei - esta voz - só uma pessoa me chama de Dodô assim. Abri os olhos, vi seus imensos olhos castanhos e a beijei efusivamente.  

Para, Dodô, para, foi empurrando meu corpo contra o caixão - para, Dodô, para ...

Aí ouvi uma segunda voz - mamãe, o que está acontecendo aqui?

Mamãe? Pensei rápido diante do silêncio total. Quem é mamãe? Afastei-me um pouco, encostei no caixão de costas para o cadáver, e vi seus lindos olhos expressando espanto, raiva, ódio, tesão e surpresa. Ao seu lado um jovem de 3 metros de altura e 2 metros de largura. Senti um golpe no queixo, cai sobre o falecido e rolamos no chão, ficando presos sob a urna pesada, nós dois ali no chão escuro, eu, o morto e as rosas e flores e a merda toda.

Assim que levantaram o caixão, saltei para a direção da porta, assustando dezenas de pessoas que acreditaram se tratar do defunto ressuscitado. Teve de tudo - desmaios, gritos, histeria, etc. Entrei num táxi e fugi para o Bar do Juca, do outro lado da cidade. Esperei o táxi ir embora, atravessei a rua, peguei um ônibus, saltei na rodoviária e fugi para Teresina, no Piauí.

Três meses depois do comportamento neanderthal, voltei, acreditando que tivessem esquecido do episódio. Chegando em casa, peguei no chão uns vinte bilhetes da viúva, perfumados e com corações apaixonados - "Dodô - volta para mim!".

É isto aí!

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