sábado, 20 de setembro de 2014

Adeus, Carlinhos

Havia conseguido trocar o horário do voo para mais cedo e chegaria de surpresa, mas mesmo assim chegou muito cansado, a viagem foi longa, o fuso horário cansativo, as reuniões intermináveis. Demorou no desembarque, a bagagem fora extraviada, preencheu toda a burocracia e partiu repleto de saudade.

O bilhete estava colado na porta: Adeus, Carlinhos, estou indo embora, não dá mais, aqui não é meu lugar, e desculpe a letra, os erros, desculpa minhas paranoias, desculpa minha vida na sua.

Entrou tateando a sala, tudo escuro. Abriu uma garrafa de vinho que estava na bolsa e passou a lamentar - Nenhum amor é verdadeiro, pensou antes de mais um gole de vinho. Nenhum amor é verdadeiro, murmurou. Ao fundo, em algum lugar do prédio, Nana Caymmi cantava Tarde Triste... por onde andará quem amei, será que também vive assim, sofrendo como só eu sei, pensando um pouquinho em mim... 

As lágrimas rompiam a face, como a tarde, tristes. Nenhum conto de amor é bonito, divagou, todos são trágicos, o amor é trágico. Saudade, saudade... esta imensa área ocupada pela sua ausência em mim ocupa toda a minha vida. Sozinho... sofrendo... tarde triste...

Ninguém ensina como isto dói. Nenhum amor, meu desejo é nunca mais nenhum amor. Outro gole, outra lágrima, outro gole, outra tarde triste, noite vem, já está descendo e eu sozinho sofrendo. As pessoas amam e sofrem e saem nas ruas sorrindo. Eu não queria te amar. Volta, pelo amor de Deus, só para tirar esta dor de mim, por que ela não é minha, ela é sua, por que sou seu. Outra garrafa...

Dormiu no chão da sala, acordou com o dia clareando, cabeça explodindo, tudo revirado, roupas espalhadas, talheres, pratos. Arrastou-se até o banheiro, e ali ficou, sob o chuveiro por tanto tempo quanto achou que deveria. 

Vestiu uma roupa que não reconheceu, e saiu, desceu lentamente, foi até a recepção, onde recebeu as correspondências do dia. Ao voltar para o elevador, seu Zezinho chamou-o de volta - Sr. Carlos, faz favor.

Voltou meio desconfiado, triste, macambuzio. Pois não, seu Zezinho?

Sr. Carlos, só uma dúvida. A dona Patrícia falou que o sr. só iria chegar hoje de manhã, e como ela foi para a casa da mãe dela e deixou a chave do apartamento aqui, e a chave ainda está aqui, como o senhor entrou no apartamento?

Seu Zezinho... a cabeça ainda confusa. Então ela não foi embora? Seu Zezinho olhou meio esquisito para ele. Então será que errei de porta e a chave está aí?... Seguiu ao apartamento correto, todo arrumado, perfumado, tudo em ordem. Fez as malas e partiu. Havia dentro dele uma estranha sensação de que precisava sofrer a intensidade daquela ausência de amor.

É isto aí!

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