quarta-feira, 17 de setembro de 2014

dezembro de 99

Era final dos anos 90. Naquela época eu tinha um Gol quatro portas cinza metálico, que ficou comigo até 2008, se não me engano. Estava voltando de uma viagem rápida sozinho, madrugada de dezembro, uma chuva torrencial dava sinais de que não cederia nunca. Resolvi entrar numa pequena cidade 60 Km antes do destino. As ruas desertas, toda a cidade sem luz, e eu ali, filosofando o grande problema que eu era para mim. 

Pensava no dinheiro que devia ao banco, nos amigos que perdi, nos amores que não tive e agora no carro, que ainda faltavam dezesseis prestações, sem seguro, sendo levado pela correnteza.

Turbilhões de coisas passavam na mente enquanto o céu desabava. Descia água feito um dilúvio, transbordando o rio, estornando a rede pluvial e a de esgoto, passeios desaparecendo, etc. Fui até onde a responsabilidade permitia.

Na verdade, estava perdido por que, por mais estranho que pareça, não conseguia localizar aquele trecho na memória, apesar de conhecer bem a região. Procurei um local seguro para estacionar e sair, foi quando a vi, ao lado de uma enorme árvore, olhando minha aflição, com uma serenidade impressionante.

Assim que saltei do carro e pulei sobre a correnteza, o automóvel navegou rapidamente para o canal formado na avenida. Foi aí que, não sei até hoje como, segurou-me fortemente pelo braço para que não fosse atrás do veículo. Olhei nos seus olhos, e senti um conforto indescritível. De mãos dadas, acompanhei seus passos até uma casa mais alta, que não lembro de ter visto anteriormente. Fomos entrando ainda em total silêncio.

Acendeu uma pequena vela, fez sinal para que eu esperasse ali, e entrou por um corredor, que não reparei onde dava. Voltou com uma toalha enorme, roupas secas e uma sandália. Entregou-me, apontou para uma porta, onde tinha um banheiro pequeno, e novamente desapareceu pelo corredor. Imediatamente tirei a roupa congelante e molhada, troquei-me, sentei numa enorme poltrona e dormi. Tive sonhos estranhos, acho que ouvi vozes baixas, sussurros, tudo com muita tranquilidade.

Acordei com o dia amanhecendo, limpo, sem chuva, e minhas roupas estavam secas, penduradas em uma cadeira, ao lado da poltrona. A casa não tinha mais móveis. Assim que vesti, não vendo mais ninguém, busquei pelo que achava ser o corredor, e na realidade era um minúsculo aposento vazio, sem janela. Ao lado, contínuo à sala, uma cozinha, com um fogão de lenha, uma pia com uma moringa d'água e três canecos e apenas duas janelinhas e a única porta era aquela pela qual entrei, curiosamente trancada por dentro, com um trinco grande. Ao sair, o carro estava estacionado na frente, bati a mão no bolso e as chaves estavam nele.

Sentindo-me meio esquisito, com uma sensação de vazio, entrei no automóvel e toquei para casa. E nunca mais consegui encontrar a moça, nem sequer o local. Como a família sabia que eu regressaria somente naquela manhã, tudo bem, mas sei lá, será que dormi no volante? Mas foi tudo tão real que até hoje, quinze anos passados, de vez em quando me pego pensando nos seus olhos mirando os meus e principalmente a força com a qual ela segurou meu braço.

É isto aí! 


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