terça-feira, 23 de junho de 2015

Bartolomeu Lindolfo

Bartolomeu Lindolfo era destes homens sérios, calados e ignorantes. Criou os filhos mantendo-os à distância, sem carinho e sem afeto. Nunca beijou ou abraçou sua esposa em público e sequer ousou vê-la nua. Sua vida sexual sempre fora reta e metódica. Tinha relações sexuais somente às segundas-feiras, desde que ela não estivesse em período menstrual. Para isto tinham um código, quando dos disas do fluxo, ela usava alguma peça da vestimenta em tom vermelho, como um lenço, um cinto, uma blusa ou até mesmo um par de meias.

Saia às cinco e meia da manhã e voltava pontualmente às dezoito e quarenta e sete, fato este que provocava apostas tensas entre os filhos e amigos da família. Ao chegar, colocava o chapéu no mesmo cabide, entrava no quarto, tomava banho frio, qualquer que fosse o tempo, colocava um pijama de algodão comprido, sandálias franciscas e dirigia-se à mesa da copa, aguardando o jantar, que deveria ter a presença de todos, em total silêncio.

Aos sábados saia às sete horas e quinze minutos, levando o carrinho de feira e só retornava entre dezoito e dezenove horas, sério, com o carrinho abarrotado de verduras e frutas. Jamais falou onde ia. Aos domingos a missa na matriz com toda a família, o sono à tarde e o rádio para ouvir qualquer jogo, deitado na rede, até adormecer. Acordava sempre assustado e seguia para o quarto. Na segunda-feira tudo recomeçava como um moto-contínuo.

Nunca chamou um filho pelo nome, não sabia onde estudavam nem o que faziam, mas adorava dar sermões de moral e bons costumes quando os reclames conflitavam no lar. Achava-se puro, correto e honesto. Nunca cantou no banheiro, nunca disse um palavrão nem olhou para alguma moça linda com olhos compridos. Sempre usou meias pretas, lenços brancos e suspensórios azuis, que combinavam com gravatas sistematicamente em tons creme com riscos azuis.

Engasgou à mesa, no jantar, sem que nenhum dos presentes, a esposa, filhos, filhas, noras e genros, percebessem sua aflição, e quando começou a apresentar uma estranha cor roxa nos lábios, Aderaldina, secretária do lar, veio feito ma faísca da cozinha, levantou-o segurando sob seus braços, colocou-o em pé, e aplicou-lhe a manobra Heimlich, que havia aprendido numa novela ou num filme, não se lembrava.

Bartolomeu Lindolfo cuspiu longe o osso que quase promoveu seu óbito. Beijou de jeito sôfrego os lábios carnudos de Aderaldina, apertando-lhe despudoradamente a saliente bunda e foi para o quarto em total silêncio, aguardando algum comentário que nunca veio. Nos jantares seguintes, ao tê-la passando ao seu lado, servindo os pratos, levantava-lhe a blusa, tocava-lhe os seios, apalpava suas coxas e ninguém dizia algo. Na realidade nem sequer olharam na sua direção.

Foi então que Bartolomeu Lindolfo percebeu que a família já o dava por morto. Naquela noite, levantou-se, passou na cozinha, pegou Aderaldina, colocou-a no carro e partiram para o mundo. A esposa deu por falta da empregada nos três dias seguintes, depois arrumou outra para o serviço e seguiu a vida.

É isto aí!

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