Teodoro Borges era um funcionário público exemplar, destes metódicos e fiéis ao serviço. Em vinte e oito anos de carreira jamais atrasara, faltara ou mesmo reclamara de quaisquer coisas que o aborrecesse. Andava sempre num indefectível terno de linho azul marinho com suspensórios sobre uma camisa de algodão egípcio em tom azul claro e uma gravata borboleta para cada dia da semana. Os sapatos ao lustro máximo, as meias esticadas no limite e eventualmente, nos dias mais frios, um cachecol de casimira japonesa.
Numa tarde modorrenta de verão, adentrou à repartição pública um toureiro, destes matadores, com o cabelo todo preso para trás, e uma roupa somente vista em fotos e obras de arte. Maria Garcia levantou seu óculos piciné à altura dos seus olhos de peixe morto e aos gritos pouco peculiares, agudos e estridentes gritou - gente, é o Dr. Teodoro Borges. Todos correram para ver a cena. Estava transfigurado e olhando em pânico para aquela estranha platéia em choque.
Teo, como era conhecido, estava com um traje de luces, vestindo uma pequena jaqueta vermelha com arabescos dourados, com ombreiras largas e grandes aberturas nos braços, chamadas de Chaquetilla sobre uma camisa de seda em amarelo suave, e no pescoço o Corbatin, que é uma gravata quase de uso exclusivo dos toureiros.
A Taleguilla, ou seja, a calça, extremamente justa e apertada, começava acima da linha da cintura terminando no joelho, era do mesmo tecido da Chaquetilla, e tinha presa à ela um elegante e largo suspensório magenta. As meias eram em dois pares, sendo as de baixo brancas de algodão presas à Taleguilla e as de cima, de seda, em tom rosa.
As Zapatillas, ou sapatos, eram pretos com um laço de couro bem pronunciado sobre o dorso do pé. À mão tinha uma Capote de paseo, que é aquela capa de seda usada no início das touradas para a apresentação ao público, também em seda fina, lilás com arabescos em ouro.
Na cabeça um Montera preto, com dois relevos na laterais, bem encaixado, de maneira que acompanhava os movimentos da cabeça. No bolso um lenço de seda com a estampa de Nuestra Señora de Guadalupe.
Dr. Parreira, o chefe da seção foi chegando e abrindo caminho. Olhou bem, cutucou-o com o indicador e disse.
- Mas o que é isto, Teo?
No comprendo lo que usted dice, señor. No lo sé y tampoco de este Teo a quién se refiere.
- Para de brincadeira, Teo. Sou eu, o Parreira. Maria, chama lá a Margareth, fala que é urgente.
Dra. Margô, o Dr. Parreira solicita sua presença com urgência na seção.
Dra. Margô, a chefe do Departamento veio às pressas. Chegou esbaforida e ao ver a cena fez uma expressão a princípio de espanto. Foi se aproximando, chegando bem devagarinho e dirigiu a palavra ao toureiro.
Hola! ¿Qué tal?,
Estoy bien. ¿Y tu, Marguerita?¿ Como estás?
¿Entonces? ¿Eso es verdad?
Sí y no. Como se puede ver con sus propios ojos, yo no sé si es correcto, pero yo te quiero más que a nada.
Teodoro avançou em passos de toureiro na direção de Margô, tocou-lhe delicadamente a face, rodopiou seu Capote de Paseo magistralmente sobre os dois e deixou-o cobri-los por inteiro e para surpresa e desespero geral, desapareceram sob ele, por encanto. Todos se voltaram quase que imediatamente para Seu Clebinho do RH, marido de Margô, que na frente de dezenas de olhares cínicos, ao grito ritmado de "pula, pula", transformou-se num imenso e selvagem touro, avançou bufando e urrando rumo à janela e saltou do 1° andar para o vazio existencial, desaparecendo no infinito da rua descalça.
É isto aí!
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