quarta-feira, 22 de novembro de 2017

A memória e a cara de paisagem

Acordou numa ressaca terrível. Boca amarga, estômago embrulhando. Lembrava vagamente de ter encontrado com uma velha namorada dos tempos de escola, mas quem?? Beberam uns dois drinks, aí a cabeça rodou e agora estava ali, dormindo atrás do sofá.

Vestiu a roupa e resolveu sair de casa cedo, ainda amanhecendo, para não ter que dar satisfação. Chegou na esquina e deu por falta dos óculos. bateu a mão aqui, ali e confirmou que faltavam. Retornou automaticamente, entrou em casa, foi na cozinha e descobriu que a carteira estava sobre a geladeira. Verificou no bolso de trás e aquilo era real, a carteira não havia saído com ele.

Foi até o banheiro buscar o óculos, agora com a carteira no bolso. Encontrou o celular carregando sobre a pia. Pegou quase que com agilidade felina, olhou para o ambiente externo para se certificar que ninguém mais havia visto, apagou todas as conversas pela dúvida, e guardou o aparelho no outro bolso traseiro.

Os ósculos ... que isto, que ósculos, riu sozinho e em silêncio. Os óculos, onde deixei os óculos. Foi até a sala, onde acreditava te-los deixado. No sofá, a camisola de seda azul clara, a lingerie e a saudade estavam cuidadosamente acomodadas sobre as almofadas. Cheirou as peças lentamente, uma a uma, a memória materializou uma mulher que fora responsável pela melhor noite da sua vida. Deve ter sido um sonho, pensou.

Foi retirando as almofadas lentamente, uma a uma, e descobriu seu relógio sob uma delas, deu um leve sorriso da cena. Nada dos óculos. Resolveu olhar sob o sofá e percebeu que sua cueca estava ali, depositada no chão. Balançou a cabeça negativamente e deu um longo suspiro, recolheu a peça colocando-a no bolso dianteiro da calça. Levantou-se, puxou o sofá para o seu lado, e pelo barulho levou a mão direta ao anelar esquerdo - a aliança havia caído. Ainda rodopiava quando a prendeu entre os dedos e retornou-a ao local de origem.

Meus óculos ... meus óculos .... quando sentiu que não estava sozinho. Pausou a respiração, foi levando lentamente o olhar para a lateral esquerda, em seguida o pescoço no mesmo sentido, depois o tronco em perfeita sintonia e por fim o quadril fez a rotação.

Deu de cara com a vizinha, com olhar assustado e uma coberta sobre o corpo. Que merda é esta, Palhares? O que você está fazendo na minha casa às, deixa eu ver ... cinco e quarenta e cinco da manhã?

Sua casa? Esta casa é sua casa, Neuzinha?

Sim, minha casa. Geraldinho, vem cá para ver o Palhares com cara de retardado aqui dentro da nossa casa. O sujeito veio numa cueca ridícula, olhos inchados - olhou bem prá ele. Que coisa feia, hem Palhares, bebendo logo cedo.

Eu bebendo? Não, eu, olha gente, desculpa, eu saí cedo de casa, esqueci meus óculos e voltei para buscar, e entrei na casa de vocês. Eu bebi ontem, engraçado, não me lembro de muita coisa. Esquisito. Não foi com você que eu bebi não?

Palhares, você está maluco. Eu cheguei de viagem muito cansado mesmo, devia ser umas cinco horas da manhã e fui direto dormir no quarto das crianças para não acordar a Neuzinha. Francamente, Palhares, beber até esquecer dos óculos. 

Gente, desculpa mesmo.

Tem nada demais, Palhares, a gente entende, não é Geraldinho? 

Sim, Neuzinha, isto é esquisito, mas acontece, Palhares. Vá pra casa, vai, com certeza seus óculos estão lá.

Gente, que coisa maluca, ok, vou lá em casa. Mas engraçado, estou sem as chaves.

Neuzinha, você que está vestida, acompanha o Palhares até à porta, que eu vou tomar um banho.

Neuzinha fez cara de paisagem e acompanhou Palhares até a porta, e sussurrou - quem sabe as chaves não estão junto com os óculos no porta luvas do seu carro, que você  deixou aberto na pressa de  chegar em casa?

Hummmm, na hora que eu cheguei .... hummmm.

Vem nos visitar mais vezes, Pahares, disse entre sorrindo e entre mordendo os lábios, mas sem bebida e sem pressa, hem!!!

É isto aí!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Gratidão!