domingo, 26 de novembro de 2017

Ao vencedor, as batatas

Fui ao supermercado logo pela manhã. Na entrada, um senhor faz test-drive nos carrinhos. A princípio achei que estava fazendo hora, mas a coisa era séria. Com muita dificuldade escolheu um que julgou ser o melhor para pilotar. Eu pensei em dizer a ele que o problema dos carrinhos não são as rodas, mas a grande concentração de fungos e bactérias em toda a sua área de contato com os humanos. 

Gosto de ir para as filas primeiro, acho menos entediante. No setor de frios peguei a ficha 3. A mocinha do balcão gritou - preferencial, quem é preferencial?

- Uma senhora ao meu lado dirigiu-me a palavra - acho que é com o senhor, vovô.

Olhei sério para ela e disse que não, eu não sou da fila preferencial. A mocinha chamou o número 1, o 2 e finalmente o 3. Pedi 100 g de pasta de berinjela e 100 g de ante-pasto de alho porró. Aquela senhora, que ainda estava ali, cutucou-me  e disse:

- Sabe tudo, hem vovô, só coisa gostosa. Agora, quando eu aposentar não ficarei assim de bobeira não, quero usar e abusar do preferencial.

Confesso que desejei uma resposta, mas me contive. Dali decidi tirar esta barba escandalosamente branca, que não combina bem com meu espírito natalino cristão. Afinal aquela imagem do bom velhinho de roupa vermelha e barba branca foi criada pela cacacala em 1931, e deste povo estou incluído do lado de fora.

Saí dali para o setor hortifruti. Uma casal fitness, coisa moderninha, com idade na faixa dos 40/45 anos escolhia os vegetais. A senhora, corpo malhado sob uma roupa que mostrava sua natureza atlética, chamou um rapaz - quero falar com o gerente. O rapaz saiu e voltou com uma moça com ar de professora boazinha dos primeiros anos do ensino fundamental.

- Pois não?

- Você não vendem orgânicos aqui? Não estou vendo identificação, isto é muito complicado.

- A moça franziu a testa e respondeu o óbvio para garantir seu emprego - nossa empresa trabalha com os melhores fornecedores, etc etc etc.

Pensei em dizer ao casal fitness que nossa água está totalmente dominada por antibióticos, entorpecentes, hormônios sintéticos, drogas ilícitas, óleos sintéticos, etc e tal. Mas achei que ela deve saber de alguma fonte redentora e limpa neste planeta. Mas evite a Bahia da Guanabara, Santos, Floripa, Porto Seguro, Praia da Costa, Cabo Frio, Guarapari, Recife, Costa disto e daquilo se não quer ficar com overdose em banho marítimo, pois toda  água vai dar no mar.

Ao ver partirem os fitness, passa ao meu lado um casal discutindo relação - ele mudo na frente e ela falando coisas ininteligíveis e em tom baixo raivoso logo atrás. Ele parou na mesma banca que eu, de batatas, de maneira que ficamos de frente. Ela foi se aproximando, ficou no meio da banca, e de dedo em riste quase no nariz do companheiro, brandiu alto e claro - eu não quero nem saber, se vira, só volte depois de se entender com aquela puta... Ele olhou para mim como pedindo socorro e ela fuzilou-o com um olhar letal, deu meia volta sobre o próprio eixo e partiu feito uma guerreira, com seu vestido solto e pele vermelha de ódio. Abaixei os olhos e pensei ... ao vencedor, as batatas!

Passando pelo setor de papelaria, uma menina, com seis ou sete anos encantada com tudo que via. E o avô dizendo - Clarinha, para com isto, vamos olhar outras coisas, depois tirarmos fotos, pois seu pai falou que vocês irão voltar hoje. E ela - ah! Vovô, lá não tem isto tudo e eu amo material escolar ... 

Levei as compras ao automóvel, com o intuito de retornar para passar no caixa eletrônico. Uma mocinha, num carro destes que eu teria que trabalhar uns dez anos só para pagar o seu preço, fora manutenção e taxas, parou e exigiu a minha saída. Olhei para ela que olhou para mim com olhar de desprezo de pobre. Falei que voltaria para o estabelecimento. Disse umas duas ou três palavras envolvidas com uma irritante goma de mascar, acelerou e colocou na vaga dos idosos.

Quando estacionou, vi saírem do carro duas coxas enormes sobre um salto imenso, sustentando um corpo esculpido num misto de silicone, malhação e bisturi. Ela então abriu uma enorme bolsa, tirou algo plastificado e atirou no painel. Enquanto batia a porta e flutuava de forma interessante pela passarela do estacionamento, fui andando lentamente, observando o segurança que fazia a mesma coisa. Juntos vimos que no painel, em papel plastificado, legalmente oficial, tinha uma licença para estacionamento de idosos. Entreolhamos, dei de ombros enquanto ele ria sem parar apontando o dedo para mim - aí véi ... cês é foda!

Cheguei em casa e fiz a logo a barba para não dar tempo de arrepender.

É isto aí!

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