segunda-feira, 2 de março de 2020

A hierarquia celestial


Acenou da curva, num gesto de adeus. Desceu a ladeira descalça de meninos pelados em festa de futebol com bola de meia, atravessou a praça onde tantas vezes sonhou em ser pipoqueiro, engraxate ou fotógrafo, entrou no ônibus e nunca mais voltou.

É estranho partir assim, sem dizer alguma coisa, refletiu. Desistiu de passar pela Matriz, para a última oração. Teria pela frente duas horas de estrada de terra até chegar na cidade onde embarcaria para o Rio de Janeiro. Cleidinha foi quem recebeu e percebeu o aceno. As pernas tremeram, as lágrimas fluíram. Correu na Matriz, ajoelhou-se e pôs a rezar tudo que sabia. 

Dia seguinte, amanhecendo com preguiça, chuvisco com ventania, ele desce na padaria, vindo de carona do caminhão de leite. Desceu cabisbaixo, triste e sem graça consigo mesmo. A Ponte Velha quebrou com a chuva e ninguém passava. Tinha prazo para chegar. Agora o rio matou o Rio.

Cruzou com Cleidinha, a moça abriu os braços,  gritou, correu e pulou nos seus braços, com as pernas roliças entrelaçadas e beijo esfomeado. Eu sabia que você vinha, eu sabia que você vinha. Eu sabia!!!!! Eu sabia!!!

E como você tinha tanta certeza, Cleidinha? - perguntou o enamorado.

Uai, eu pensei assim, disse sorrindo seus dentes alvos - Rio de Janeiro é cidade de São Sebastião, aqui é de São Pedro, fui na Matriz e falei com São Pedro - Olha só, eu sou dele e ele é meu. Vim pedir o que é meu - o senhor manda ou não manda? Aí esperei o veredito.

É isto aí!

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