domingo, 17 de janeiro de 2021

Francisco de Vitoria e o Direito das Gentes



Francisco de Vitoria (c. 1483-1546), foi teólogo tomista e fundador do movimento escolástico denominado Escola de Salamanca, foi talvez o primeiro jurista filósofo a propor discussões sobre a liberdade natural dos indígenas. Sua principal contribuição foi trazer para a filosofia questões antes relativas à teologia. Ao questionar se os indígenas seriam naturalmente livres ou escravos, concluiu que eram livres e, portanto, possuíam o direito de se afirmarem como senhores de seus bens. Em pleno processo de colonização, Vitoria inovou o pensamento da época ao colocar em questão o direito de conquista dos europeus, defendendo o princípio da "guerra justa".

Segundo ele, o "direito das gentes" seria algo inalienável, aquilo que todos os povos reconhecem como necessário, um direito natural ou dele decorrente, - daí o seu entendimento de que nada justificaria o domínio europeu sobre outros povos. Desse modo, os indígenas teriam o legítimo direito de defender seu território da tentativa de ocupação estrangeira por meio da guerra, se necessário.

Vitoria contestou a pretensa superioridade europeia e questionou o poder religioso do papa. Na sua concepção, era ilegítimo o direito que os colonizadores tinham de subjugar povos nativos sob a alegação de que estes seriam bárbaros. O processo de colonização implica anular o outro e, para ele, os conceitos de civilização e barbárie tinham significados diferentes para cada cultura, portanto, era preciso respeitar o princípio da alteridade - ideia que seria retomada por Montaigne. Nesse sentido, Vitoria defendia que a comunicação entre os povos era possível.

O direito natural, ou jusnaturalismo, supõe a existência de um direito universal, estabelecido pela natureza. Seu fundamento é o da lei natural, e não o da lei humana, que rege os acordos e contratos sociais.

Na obra publicada pela primeira vez em Lyon, em 1557, Leçon Sur Les Indiens, encontramos as seguintes passagens, nas quais Vitoria pontua as razões da ilegitimidade da dominação espanhola na América, colocando em pauta a discussão valorativa entre hereges e cristãos:

I - O imperador não é o senhor do mundo;

II - Ainda que fosse senhor do mundo, o imperador não poderia ocupar as províncias dos bárbaros, instituir novos senhores, depor os antigos e impor novos tributos;

III - Em se tratando de poder temporal, o papa não é o senhor do mundo;

IV - O papa tem um poder temporal destinado às coisas espirituais;

V - A recusa dos bárbaros em reconhecer um poder atribuído ao papa não autoriza nem a lhes fazer guerra nem a lhes privar de seus bens;

VI - Se os bárbaros não querem receber a lei mesmo que ela lhes tenha sido anunciada de maneira suficiente, não é lícito lhes fazer a guerra e lhes privar de seus bens;

VII - Os príncipes cristãos não têm o direito de punir os bárbaros por seus pecados contra a lei natural, mesmo sob a cobertura da autoridade do papa.

É claro, para Vitoria, que a lei positiva não pode contrariar a lei natural. Por isso, ele defende o direito dos povos da terra às suas diferenças, chamando a atenção para a ótica equivocada do europeu com sua visão eurocêntrica do mundo. Vitoria reformula a "justiça" global da conquista, embora não a negue. A novidade era sua tentativa de propor um novo ponto de vista para o problema.

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