Nasci na Ponta da Cidade, numa casa simples, com parteira e água na bacia. Crescemos um amontoado de crianças felizes, até que um dia a fábrica fechou, vieram as máquinas e destruíram tudo. Algumas máquinas sem olhos e sem modos atingiram algumas pessoas, como meu pai, por exemplo. É tudo que lembro da Ponta da Cidade.
A Mata do Boi era o local onde a gente catava lenha na adolescência e caçava uns coelhos para reforçar a canja. Um dia vieram e cercaram a mata toda, pessoas de muitas ferramentas de lançamento de projéteis de vários tamanhos apareceram. Eram surdos e mudos, andavam em bando dia e noite. De longe ouvíamos as máquinas roncando, zoando, e à noite passos pesados, até que a mata acabou. Hoje tem umas aroeiras, capim e pronto.
A Praça Abandonada ficou sendo o depósito das máquinas que vieram. Foram enferrujando e destruindo a praça, o parque e as tardes de domingo. Virou o habitat de pessoas estranhas ao nosso convívio, de hábitos peculiares, digamos assim. Virou a Praça Proibida.
O Rio do Peixe foi secando, secando, até que um dia nas andanças da juventude descobrimos que havia sido desviado para outras terras de outras pessoas que não gostam de conversar com quem perdeu o que a natureza deu de presente. Vi muitos daqueles homens surdos/mudos naquelas bandas, naqueles dias de longos invernos.
O Lado Limpo era chamado assim por causa do descampado, para onde correram os sobreviventes das dores daqueles outonos. Saí do Lado Limpo no findar da juventude, fui para a capital, e me fiz uma pessoa bem sucedida. Estou voltando para rever alguns amigos, passados vinte anos e chego no meio de uma cena já marcada a ferro e fogo na infância. Máquinas avançam sobre tudo e todos no Campo Limpo.
É isto aí!
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