terça-feira, 8 de agosto de 2023

Estou cansado, é claro, (Fernando Pessoa)


Estou cansado, é claro (Álvaro de Campos)

Fonte: Arquivo Pessoa

Álvaro de Campos¹ é um dos principais heterônimos do autor português Fernando Pessoa. Partidário do sensacionismo² e do futurismo, Campos é o poeta da modernidade.

Sensacionismo² é a manifestação radical do pensamento empirista, desenvolvida especialmente  por Condillac³ (1715-1780), segundo o qual todo conhecimento e todas as faculdades cognitivas humanas provêm de sensações; sensualismo.

Condillac³ desenvolveu uma teoria do conhecimento baseada no empirismo onde as sensações são o principal instrumento que nos permitem conhecer. Este filósofo formulou os fundamentos da teoria do conhecimento na época do iluminismo.


Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,

Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...

E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente: eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto me dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.


24-6-1935

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). - 78.

Lapso corrigido segundo: Álvaro de Campos - Livro de Versos. Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993

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