Meu nome é Jailton Silva, tenho setenta e seis anos, nascido e criado em Córrego do Brechó, distrito de Lima Azul. Estou nos últimos dias da minha vida e tudo o que eu falar para o senhor, poderá ser confirmado nestes documentos que no final direi onde estão, se acreditar em mim. Eu vim aqui denunciar uma sequência de mortes, as quais umas testemunhei, outras produzi e outras determinei.
I - Minha história de dor começou em Lima Azul, uma pacata cidade de dez mil habitantes, no interior de Minas Gerais, no final da década de 50 do século XX. Orlando, com dezenove anos amava Esmeralda. Esmeralda, com dezoito anos amava Orlando. Sonhavam casar e viver felizes para sempre.
I - Minha história de dor começou em Lima Azul, uma pacata cidade de dez mil habitantes, no interior de Minas Gerais, no final da década de 50 do século XX. Orlando, com dezenove anos amava Esmeralda. Esmeralda, com dezoito anos amava Orlando. Sonhavam casar e viver felizes para sempre.
II - As famílias eram inimigas juramentadas. As famílias dividiam toda a riqueza da região, além de alternarem os mandatos políticos municipais e da Assembléia Legislativa. Os pais odiavam tudo um do outro. As mães eram proibidas de sequer cumprimentarem. Frequentavam a Igreja e a feira em horários diferentes, com capangas armados. Orlando amava Esmeralda desde o tempo da escola. Esmeralda amava Orlando.
III - O casal apaixonado conversava por códigos, sinais, recados de amigos em comum, suspiravam pelos cantos da cidade. Dava dó ver a angústia que cada um trazia consigo. Orlando passou a planejar uma fuga com Esmeralda.
IV - O plano consistia em esperá-la após a missa, atrás da igreja, onde estaria aguardando em um carro emprestado e dirigido pelo Artuzinho, primo de Gracinha, melhor amiga de Esmeralda, que os levaria até Manga Rosa, de onde embarcariam de trem para o Rio de Janeiro e de lá para o mundo.
V - No dia combinado, Esmeralda não apareceu, nem nos trinta dias seguintes. Artuzinho sumiu e Gracinha parou de frequentar as noites. Nenhum recado, nenhum sinal, e impossível aproximar-se da casa da moça. Orlando enlouqueceu. Ficou estranho, falava sozinho, chorava do nada e quase não saia mais.
VI - Trinta e cinco dias se passaram. Numa madrugada chuvosa, entre três e quatro horas da manhã, Orlando acorda com uma insistente campainha, ininterrupta. Abriu a porta e Esmeralda literalmente desabou aos seus pés e alguém saiu correndo, sem nenhuma palavra. Estava desmaiada e com características de espancamento.
VII - Chamou a polícia e a ambulância. Esmeralda foi para o hospital e Orlando para a delegacia, como suspeito pela tentativa de assassinato. O delegado havia recebido denúncia de que a moça estava em cárcere privado provocado por ele.
VIII - Com a intervenção da família, foi solto em três dias, proibido de aproximar-se da moça e naquela noite ela foi assassinada enquanto ainda corria risco de morte aos cuidados médicos. A autópsia revelou ferimento por um instrumento perfurante, que pelo diâmetro sugeria da chave de fenda, encontrada no lado externo da janela do apartamento, responsável pela ruptura da aorta.
IX - No julgamento, vários testemunhas corroboraram com a tese de cárcere privado, seguido do assassinato. O dono da loja de ferragens confirmou que vendeu a Orlando um jogo de chaves de fenda da mesma marca e cor da que vitimou Esmeralda.
X - O médico legista deu a notícia que praticamente incriminou sem defesa ao rapaz. Esmeralda estava grávida de seis semanas, que pode ter sido o motivo do assassinato, afinal Orlando poderia ter ido ao desespero, talvez nem a amasse tanto e só queria se divertir, enquanto a moça sofria com a gestação prematura.
XI - Orlando foi condenado a setenta anos - trinta anos pela morte de Esmeralda mais trinta anos pela morte do feto e mais dez anos por sequestro e cárcere privado. Na primeira noite na penitenciária, suicidou com um cinto, na grade da janela do cárcere.
XII - Em 1969 um delegado novo chegou à cidade. Despertado pela curiosidade do famoso episódio, começou a encontrar dezenas de lacunas no processo, provas sem consistência, enfim, o que encontrou indicava outro caminho. Em poucos dias foi preso como comunista e entrou para a lista dos desaparecidos da época.
XIII - Em 1981, passados vinte e dois anos, o promotor de justiça que foi indicado para a cidade, ouviu as histórias, analisou dados, datas, prontuários e veio a falecer em um estranho acidente de carro quando vinha sozinho da capital trazendo supostos documentos que promoveriam a abertura do inquérito.
XIV - Em 1995, já com os crimes prescritos, e os envolvidos falecidos, um mendigo, com aproximadamente setenta anos, morador do abrigo da Conferência dos Vicentinos, e que durante muitos anos foi empregado na fazenda dos pais de Orlando, foi à delegacia e disse que tinha importantes revelações para fazer sobre o episódio conhecido como o caso Romeu&Julieta caipira. Segundo o escrivão, ao pedir para ir ao banheiro, escorregou, bateu com a cabeça na quina de uma banco de cimento e teve morte súbita.
XV - Senhor Jailton Silva, o senhor não me conhece, mas meu nome é Artur Monteiro, sou o delegado regional nomeado para esta cidade, e talvez o senhor não ligou uma coisa à outra, pois eu sou o Artuzinho da sua versão. Por favor, levante-se e saia pela porta pela qual entrou e eu esquecerei tudo o que disse, ou então fique e seja responsável pelas consequências dos seus atos...
Naquela madrugada, jovens saindo dos bares do centro encontraram um mendigo enforcado em uma árvore da praça central da cidade. Assim fechei o ciclo que teve início quando os dois mais temidos mandatários da região, donos de todos os negócios, da política e do destino das pessoas, encontraram-se para tramar a morte dos próprios filhos que unidos permitiriam o enfraquecimento do poder.
É isto aí.
V - No dia combinado, Esmeralda não apareceu, nem nos trinta dias seguintes. Artuzinho sumiu e Gracinha parou de frequentar as noites. Nenhum recado, nenhum sinal, e impossível aproximar-se da casa da moça. Orlando enlouqueceu. Ficou estranho, falava sozinho, chorava do nada e quase não saia mais.
VI - Trinta e cinco dias se passaram. Numa madrugada chuvosa, entre três e quatro horas da manhã, Orlando acorda com uma insistente campainha, ininterrupta. Abriu a porta e Esmeralda literalmente desabou aos seus pés e alguém saiu correndo, sem nenhuma palavra. Estava desmaiada e com características de espancamento.
VII - Chamou a polícia e a ambulância. Esmeralda foi para o hospital e Orlando para a delegacia, como suspeito pela tentativa de assassinato. O delegado havia recebido denúncia de que a moça estava em cárcere privado provocado por ele.
VIII - Com a intervenção da família, foi solto em três dias, proibido de aproximar-se da moça e naquela noite ela foi assassinada enquanto ainda corria risco de morte aos cuidados médicos. A autópsia revelou ferimento por um instrumento perfurante, que pelo diâmetro sugeria da chave de fenda, encontrada no lado externo da janela do apartamento, responsável pela ruptura da aorta.
IX - No julgamento, vários testemunhas corroboraram com a tese de cárcere privado, seguido do assassinato. O dono da loja de ferragens confirmou que vendeu a Orlando um jogo de chaves de fenda da mesma marca e cor da que vitimou Esmeralda.
X - O médico legista deu a notícia que praticamente incriminou sem defesa ao rapaz. Esmeralda estava grávida de seis semanas, que pode ter sido o motivo do assassinato, afinal Orlando poderia ter ido ao desespero, talvez nem a amasse tanto e só queria se divertir, enquanto a moça sofria com a gestação prematura.
XI - Orlando foi condenado a setenta anos - trinta anos pela morte de Esmeralda mais trinta anos pela morte do feto e mais dez anos por sequestro e cárcere privado. Na primeira noite na penitenciária, suicidou com um cinto, na grade da janela do cárcere.
XII - Em 1969 um delegado novo chegou à cidade. Despertado pela curiosidade do famoso episódio, começou a encontrar dezenas de lacunas no processo, provas sem consistência, enfim, o que encontrou indicava outro caminho. Em poucos dias foi preso como comunista e entrou para a lista dos desaparecidos da época.
XIII - Em 1981, passados vinte e dois anos, o promotor de justiça que foi indicado para a cidade, ouviu as histórias, analisou dados, datas, prontuários e veio a falecer em um estranho acidente de carro quando vinha sozinho da capital trazendo supostos documentos que promoveriam a abertura do inquérito.
XIV - Em 1995, já com os crimes prescritos, e os envolvidos falecidos, um mendigo, com aproximadamente setenta anos, morador do abrigo da Conferência dos Vicentinos, e que durante muitos anos foi empregado na fazenda dos pais de Orlando, foi à delegacia e disse que tinha importantes revelações para fazer sobre o episódio conhecido como o caso Romeu&Julieta caipira. Segundo o escrivão, ao pedir para ir ao banheiro, escorregou, bateu com a cabeça na quina de uma banco de cimento e teve morte súbita.
XV - Senhor Jailton Silva, o senhor não me conhece, mas meu nome é Artur Monteiro, sou o delegado regional nomeado para esta cidade, e talvez o senhor não ligou uma coisa à outra, pois eu sou o Artuzinho da sua versão. Por favor, levante-se e saia pela porta pela qual entrou e eu esquecerei tudo o que disse, ou então fique e seja responsável pelas consequências dos seus atos...
Naquela madrugada, jovens saindo dos bares do centro encontraram um mendigo enforcado em uma árvore da praça central da cidade. Assim fechei o ciclo que teve início quando os dois mais temidos mandatários da região, donos de todos os negócios, da política e do destino das pessoas, encontraram-se para tramar a morte dos próprios filhos que unidos permitiriam o enfraquecimento do poder.
É isto aí.
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