Começou achando que aquilo era estranho, uma aberração, uma anormalidade. Tinha vergonha de falar para as pessoas, tinha medo de ser mal interpretado. Procurou o analista da Pitangueira, afinal aquilo já estava passando dos limites.
- Doutor, eu preciso falar...
(silêncio contemplativo)
- Não sei como dizer isto (lágrimas)
(silêncio interrogativo)
- Sabe, as pessoas me acham esquisito...
(silêncio investigativo)
- Mas eu não sou esquisito. Não me entendem...
Quem não entende?
- Eles, as pessoas, a família, ninguém compreende...
Pessoas da família ou pessoas estranhas e a família?
- Faz diferença para o senhor ser incompreendido?
Não, para mim não. Mas para você parece que é importante.
- Como assim "para mim"?
Quem o trouxe aqui, Lindolfo?
- Vim só, por que? Você acha que ela me trouxe? Como soube?
Não sou o oráculo das suas dúvidas, Lindolfo, as respostas estão em algum lugar dentro de você.
- Nãããããããoooooo!!!! Nããããããããããõooooo!!!! Não está dentro de mim...
O que não está dentro de você?
- Minha sombra, não percebe? ela... ela.... meu Deus, você não vê?
O que vê que eu deveria ver, Lindolfo?
- Meu Deus, você não vê minha sombra?
Fale-me mais sobre isto. O que há na sua sombra?
- Não é o que há... meu Deus... como explicar... olha, eu não sou doido...
Sim, prossiga, sei que você não é doido. Fique à vontade para falar o que o aflige.
- Sabe, puxa vida, como falar... ela, a minha sombra, olha - eu não sou gay, mas a minha sombra é uma mulher...
Entendo... prossiga...
- Entende, você entende? Entende mesmo? Olha, ela... ela... é incrível...ela.. ela... (lágrimas escorrem).
(silêncio estarrecedor)
- Ela é ninfomaníaca. Ela é insaciável, quer sexo o tempo todo, me provoca, me deixa louco, fico excitado, e ela nunca sacia.
Olha só, esta imagem é um arquétipo; uma projeção do seu sub-consciente, que é composto por um conjunto
organizado de imagens, palavras e emoções, formando a estrutura autônoma e
dissociada do eu consciente.
- Você disse que entende, mas não sabe de nada, tem nada disto de arquétipo.
Ouça, Lindolfo, esta sombra feminina constitui apenas uma “sub-personalidade” comparável a uma “personagem” de uma peça de teatro, autônoma, independente de você e dotada da sua própria personalidade, projetada por você.
- Doutor, o senhor está excitando ela com este papo.
É, e como você acredita que isto é possível? Lindolfo? Lindolfo? Cadê você?
- Aqui, embaixo do divã com meu arquétipo...
Caramba, que sombra gostosa é esta. É real, que isto??? Nunca vi isto!!!
- Tira o olho, doutor, tira o olho, é minha... isto, mexe sua doida, aí, que loucura...ela ficou excitada demais com esta conversa...
É isto aí!
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