sábado, 7 de junho de 2014

No divã da Pitangueira - A sombra

Começou achando que aquilo era estranho, uma aberração, uma anormalidade. Tinha vergonha de falar para as pessoas, tinha medo de ser mal interpretado. Procurou o analista da Pitangueira, afinal aquilo já estava passando dos limites.

- Doutor, eu preciso falar...

(silêncio contemplativo)

- Não sei como dizer isto (lágrimas)

(silêncio interrogativo)

- Sabe, as pessoas me acham esquisito...

(silêncio investigativo)

- Mas eu não sou esquisito. Não me entendem...

Quem não entende?

- Eles, as pessoas, a família, ninguém compreende...

Pessoas da família ou pessoas estranhas e a família?

- Faz diferença para o senhor ser incompreendido?

Não, para mim não. Mas para você parece que é importante.

- Como assim "para mim"?

Quem o trouxe aqui, Lindolfo?

- Vim só, por que? Você acha que ela me trouxe? Como soube? 

Não sou o oráculo das suas dúvidas, Lindolfo, as respostas estão em algum lugar dentro de você.

- Nãããããããoooooo!!!! Nããããããããããõooooo!!!! Não está dentro de mim...

O que não está dentro de você?

- Minha sombra, não percebe? ela... ela.... meu Deus, você não vê?

O que vê que eu deveria ver, Lindolfo?

- Meu Deus, você não vê minha sombra?

Fale-me mais sobre isto. O que há na sua sombra?

- Não é o que há... meu Deus... como explicar... olha, eu não sou doido...

Sim, prossiga, sei que você não é doido. Fique à vontade para falar o que o aflige. 

- Sabe, puxa vida, como falar... ela, a minha sombra, olha - eu não sou gay, mas a minha sombra é uma mulher...

Entendo... prossiga...

- Entende, você entende? Entende mesmo? Olha, ela... ela... é incrível...ela.. ela... (lágrimas escorrem).

(silêncio estarrecedor)

- Ela é ninfomaníaca. Ela é insaciável, quer sexo o tempo todo, me provoca, me deixa louco, fico excitado, e ela nunca sacia.

Olha só, esta imagem é um arquétipo; uma projeção do seu sub-consciente, que é composto por um conjunto organizado de imagens, palavras e emoções, formando a estrutura autônoma e dissociada do eu consciente. 

- Você disse que entende, mas não sabe de nada, tem nada disto de arquétipo.

Ouça, Lindolfo, esta sombra feminina constitui apenas uma “sub-personalidade” comparável a uma “personagem” de uma peça de teatro, autônoma, independente de você e dotada da sua própria personalidade, projetada por você.

- Doutor, o senhor está excitando ela com este papo.

É, e como você acredita que isto é possível? Lindolfo? Lindolfo? Cadê você?

- Aqui, embaixo do divã com meu arquétipo...

Caramba, que sombra gostosa é esta. É real, que isto??? Nunca vi isto!!!

- Tira o olho, doutor, tira o olho, é minha... isto, mexe sua doida, aí, que loucura...ela ficou excitada demais com esta conversa...

É isto aí!

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