Pouco depois que o governo Eduardo Azeredo vendeu 33% das ações da Cemig ao consórcio Southern Eletric, em uma transação que teve a participação do banco Opportunity, a polêmica começou a arder em chamas que até hoje não param de crescer. Na época, maio de 1997, o governo do estado de Minas Gerais apresentou a venda de ações, no valor de R$ 1,13 bilhão, como um grande negócio, com ágio de mais de 200%.
Imediatamente, no entanto, o sindicato dos eletricitários de MG reagiu, entrando na Justiça contra a venda das ações, alegando que "um estranho acordo de acionistas, firmado entre o governo Azeredo e os compradores, permitia que os minoritários fossem, na prática, majoritários", como disseram os diretores do Sindicato.
Recentemente, o próprio ex-governador admitiu que a venda das ações da Cemig foi, no mínimo, heterodoxa. Em entrevista em Belo Horizonte, Azeredo afirmou textualmente que os sócios americanos "pagaram mais, para ter mais poder". Questionado sobre o fato de ter apresentado à Assembléia Legislativa de Minas apenas uma parte do contrato da venda, a que dizia que seriam vendidas 33% das ações, mas de não ter enviado aos deputados o ponto crucial do documento, que dava super poderes à empresa norte-americana Southern Eletric, o ex-governador saiu-se com esta pérola: "Alguns juristas que consultei me disseram que eu não precisava enviar está parte do contrato". Mas e a questão ética, perguntaram-lhe os jornalistas: "os juristas me disseram que não precisava apresentar essa parte dos documentos aos deputados, e eu ouvi a opinião deles", disse Azeredo.
Porém, importantes juristas mineiros, como a professora de Direito Constitucional da PUC-MG, Carmen Lúcia Antunes Rocha, que integra a Comissão de Estudos Constitucionais da OAB Federal, dizem que todo o contrato da venda das ações deveria ter sido apresentado à Assembléia, e não apenas parte dele. Este fato, aliás, vem sendo um dos principais pontos do questionamento que o atual governo mineiro está fazendo na justiça sobre a venda das ações da Cemig.
E, até agora, o governo vem ganhando liminares, inclusive junto ao Tribunal de Justiça do Estado, que já tirou os super poderes do sócio estrangeiro, permitindo ao governo do estado reestruturar a diretoria da Cemig. "Tenho certeza que vamos ganhar a ação definitivamente", diz a procuradora geral do estado, Misabel Derzi. Ela também se baseia na não apresentação à Assembléia do documento total sobre as ações.
Aliás, a CPI da Cemig, concluída recentemente pelos deputados estaduais, além de constatar outros problemas, chegou à conclusão de que "os super poderes dado à empresa estrangeira e a não apresentação desse documento à Assembléia é muito grave e vai anular o acordo de acionistas", segundo o presidente da CPI, deputado Adelmo Leão Carneiro (PT-MG).
É bom esclarecer, como têm feito representantes do governo mineiro, que a equipe de Itamar Franco não pretende voltar atrás na venda dos 33% das ações, visto que não seria possível a devolução do dinheiro. "Queremos, sim, é restabelecer a normalidade administrativa na Cemig, com o estado, que é majoritário, tomando as principais decisões", afirmou um dos secretários envolvidos com o assunto, o de Administração, Sávio Souza Cruz.
Outros problemas
Mas as irregularidades não param por aí, como denunciam, por exemplo, a procuradora do estado e o secretário de Administração. Eles lembram que a Southern Eletric tinha um capital de apenas R$ 20 mil no Brasil quando obteve um empréstimo de mais de R$ 550 milhões junto ao BNDES. Além disso, revelam que, dois dias depois de comprar as ações, a Southern transferiu sua sede para as Ilhas Cayman, paraíso fiscal que permite vários tipos de negociatas.
Outra denúncia do secretário Sávio Souza Cruz é o fato do governo mineiro, à época da transação, ter permitido que a Southern recebesse dividendos da Cemig no valor de cerca de R$ 200 milhões, "referentes a seis meses antes da empresa comprar as ações na Bolsa", de acordo com o ex-governador. "Só que as ações da Cemig não foram vendidas na Bolsa", retruca o secretário da Administração, "e a Southern pagou, com esse dinheiro dos dividendos, a primeira prestação das ações", emenda Sávio.
Intervenção branca
Outro fato que causou estranheza ao Sindicato dos Eletricitários foi o governo mineiro fazer uma intervenção branca na Cemig, afastando das negociações o então presidente da empresa, Carlos Eloy, e colocando como negociadores o vice-governador Walfrido Mares Guia e o então Secretário da Fazenda, João Heraldo. A explicação é simples: Carlos Eloy é ligado ao ex-governador Hélio Garcia, então aliado de Azeredo. E Hélio Garcia, à época, deu entrevistas criticando a venda das ações da Cemig. Além disso, Garcia antecipou outro grande erro na venda das ações: "estão alugando a casa agora para quem vão vendê-la depois. Com isso, as outras ações ficam desvalorizadas e ninguém vai querer comprá-las, só os atuais compradores".
Não deu outra. Não só o governo Itamar e o Sindicato dos Eletricitários, mas também os especialistas da área privada e a própria Federação das Indústrias de Minas Gerais, a FIEMG, têm dito que, da forma como foram vendidas as ações da Cemig, se o Estado resolvesse, no futuro, vender o restante das ações, nenhuma outra empresa as compraria, apenas a Southern, e por um preço muito baixo.
Os diretores da FIEMG, por sinal, foram frontalmente contra a venda das ações. Eles tiveram ação decisiva para que o governo mineiro não privatizasse a Cemig, o que era o objetivo inicial, segundo declarações de vários secretários estaduais. Os diretores da FIEMG alegaram que várias regiões pobres do Estado precisavam de investimentos em eletricidade para se desenvolver e que as empresas privadas não o fariam. Além disso, a direção da Cemig lembrou que se houvesse um novo surto de desenvolvimento no Estado, dificilmente uma empresa privada faria investimentos rapidamente para aumentar a capacidade energética.
Voltando à venda das ações, a CPI e o governo Itamar descobriram, rastreando contas telefônicas, que a comissão do governo anterior, que preparou a venda das ações, deu inúmeros telefonemas para a sede da Southern, nos Estados Unidos. O que representantes do governo Azeredo admitiram, alegando que não viam problemas no fato da Southern ter participado da elaboração do edital para o leilão das ações. "Esse é mais um absurdo nesse processo", diz a procuradora do Estado.
O ex-presidente de Furnas no período presidencial de Itamar, Marcelo Siqueira, homem de confiança do governador que hoje preside a Copasa, Companhia de Águas do Estado do Estado, acompanha de perto o episódio Cemig. Siqueira afirma: "o governo anterior escolheu o valor acionário, em vez de ter optado por vender parte da Cemig pelo seu valor patrimonial. No segundo caso, Minas teria arrecadado mais de R$ 5 bilhões com a venda dos 33% das ações, já que a Cemig e suas hidrelétricas valem mais de R$ 15 bilhões."
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