
Diga, quer dizer, me explique, Carminha, por que você não gosta de Copa do Mundo?
Bem Armandinho, vou tentar te explicar:
Era 1970, a Copa do Mundo era o máximo. Tinha uma TV Colorado RQ na sala da minha casa. Eu tinha dezesseis anos. Lembro que naquele dia cheguei alegre, acompanhada de Betão, um amigo de escola.
Conversávamos animadamente na sala, ouvindo um long-play na velha e boa eletrola Philips, esperando o horário do jogo, quando mamãe entrou, viu meu olhar preso ao dele e desmaiou em lenta e contínua queda, surpreendentemente evitando a quina da mesa e desviando de uma banqueta.
Levei-a ao hospital em pânico, e ali jurara no seu leito de morte que seria virgem para sempre. Esta seria a maior promessa de negociação que já fizera com os céus, se não fosse o fato de mamãe não ter morrido nem naqueles dias, nem nestes quarenta e quatro anos que se seguiram.
Aos vinte anos, em 1974, assistindo ao jogo da Copa do Mundo, em uma enorme e colorida TV Telefunken, ao lado de Kaká, um gato da faculdade, nós dois no maior clima de carrossel holandês, mamãe nos flagrou em delito de amor, levou as mãos ao pescoço, sentindo-se sufocada, iniciou uma tosse irritante, e em um frenético acesso, caiu na poltrona, de braços, olhos e boca abertos. Corri com ela para o hospital, e desta vez achei que ia morrer de verdade e jurei nunca mais chegar perto de uma laranja mecânica. Ficou muda desde então.
Aos vinte e quatro anos, em 1978, enquanto o caldo fervia na Copa do Mundo, Juan, um elegante argentino que residia duas quadras abaixo, levou-me para assistir "A Dama do Lotação", e já em casa, na volta mostrava-me as qualidades do churrasco dos pampas de uma forma incontestável. Mamãe chegou na área de serviço no momento que eu, me sentindo tocada pelo clima, incorporava o desejo da Sônia Braga. Levou as mãos ao peito, deu um gemido estarrecedor, caiu lentamente ao lado do tanque e ficou paralítica.
Chegou ao hospital ainda desacordada. Ali tive a certeza de que iria morrer de verdade e jurei nunca mais pegar em uma picanha portenha e muito menos torcer para a Argentina.
Chegou ao hospital ainda desacordada. Ali tive a certeza de que iria morrer de verdade e jurei nunca mais pegar em uma picanha portenha e muito menos torcer para a Argentina.
Aos vinte e oito anos, já no exercício legal da profissão na qual graduei, na Copa de 1982, encantei-me pelo quadrado mágico de Telê, um pretinho charmoso que trabalhava na mesma empresa, e o "quadrado mágico" nada mais era do que seu recanto do amor total - um quarto e sala no centro. Até hoje não sei como, mas mamãe muda e paralítica bateu na porta do apartamento, e me senti como o Brasil perdendo para a Itália. Sentada na cadeira de rodas, fez vômitos intermináveis e desmaiou, desta vez já sentada. Voltamos para casa e jurei nunca mais acreditar em quadrado mágico, penetração dupla pelos flancos, falsos pontas muito menos em seleção dos sonhos.
Aos trinta e dois anos, durante a pouco inspirada Copa de 1986, enquanto a insossa seleção da Pré-Era Dunga arrastava-se em campo na velha e boa Philips, estava numa sessão psico-social com o Juvenal, um discreto analista - formado no Colégio Oficial dos Analistas da Pitangueira - que imprimia zangado suas impressões digitais em meu expansivo psicodrama carnal. Inexplicavelmente mamãe chegou na sala batendo um irritante pandeiro, sentada em sua cadeira de rodas, muda e paralítica, com aquele olhar de censura crônica, em estado de ódio e desespero.
Juvenal saltou do sofá, em rudimentar vestimenta adâmica, aproximou-se dela, olhou-a com firmeza psicoativa e meteu-lhe um pescoção espalmado no pé do ouvido, que a atirou ao chão em épica queda. Mamãe, por milagre divino, levantou-se agilmente e aos gritos voou na jugular de Juvenal com tal ira, que achei que iria trucidá-lo ali só com as unhas.
Engalfinharam em uma luta de titãs em fúria, quebrando tudo que podia ser quebrado na sala, com estalos, urros e gemidos, só apaziguados por uma imobilização feita pelo Juvenal, que depois vim a saber era um Hara Gatame, do caratê.
Desde então mamãe passou a ter uma sessão por semana com ele, mas exigiu um tatame no consultório, e a partir daí as copas perderam um pouco o sentido para mim, sabe, sei lá, desde então fiquei sempre com aquela estranha sensação de estar faltando alguma coisa nelas.
É isto aí!
Juvenal saltou do sofá, em rudimentar vestimenta adâmica, aproximou-se dela, olhou-a com firmeza psicoativa e meteu-lhe um pescoção espalmado no pé do ouvido, que a atirou ao chão em épica queda. Mamãe, por milagre divino, levantou-se agilmente e aos gritos voou na jugular de Juvenal com tal ira, que achei que iria trucidá-lo ali só com as unhas.
Engalfinharam em uma luta de titãs em fúria, quebrando tudo que podia ser quebrado na sala, com estalos, urros e gemidos, só apaziguados por uma imobilização feita pelo Juvenal, que depois vim a saber era um Hara Gatame, do caratê.
Desde então mamãe passou a ter uma sessão por semana com ele, mas exigiu um tatame no consultório, e a partir daí as copas perderam um pouco o sentido para mim, sabe, sei lá, desde então fiquei sempre com aquela estranha sensação de estar faltando alguma coisa nelas.
É isto aí!
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