quinta-feira, 15 de maio de 2014

Do alto do salto dela

Naquela noite resolveu não subir pelo elevador. Nunca duvidou da intuição, e sempre que a inibiu, deu-se mal. Eram onze andares, muita escada, mas algo dizia para subir por ali.

No decorrer do dia estudara uma tese sobre "Amor Patológico", para entender uma situação encontrada em uma paciente. Com o fim do noivado transformou-se em prisioneira de um sentimento doentio. O amor patológico é caracterizado pelo comportamento de prestar cuidados e atenção extrema, de maneira repetitiva e desprovida de controle, e em um relacionamento amoroso é um quadro ainda pouco estudado cientificamente, apesar de não ser raro e de gerar sofrimento importante.

Entre seus estudos, dedicara maior atenção a um órgão situado na cavidade nasal denominado órgão vomeronasal (OVN), cuja finalidade parece ser exclusivamente a de detectar sinais químicos – os ferormônios - envolvidos no comportamento sexual e de marcação de território.

Como não há duas pessoas que possuam exatamente o mesmo cheiro, acreditava que de certa forma o odor exalado pelo outro num processo de excitação mútua transformava-se em gatilho psicológico em determinados distúrbios congênitos, daí a inevitabilidade.

Pensava que seria possível, uma vez  ativado o gatilho, que o OVN estimulasse neurotransmissores do diencéfalo como a Feniletilamina, que são inibidores da Dopamina, em alta e permanente concentração, gerando uma paixão doentia, com falta da sensação de bem-estar, felicidade, prazer. Neste caso o/a paciente não seria capaz de resolver problemas, ou administrar sentimentos e responder de forma adequada. Os aspectos determinantes diferenciais seriam a falta de remorso sobre os comportamentos imorais, inquietude, agitação, insônia e irritabilidade.

Entre o décimo e décimo-primeiro andares, montando sua tese na memória, deparou com um par de pernas de tirar o fôlego, completadas pela divina extensão de um salto alto sedutor. Refeito da imagem, procurou pelos olhos da dona, mas não viu a sua face, encoberta pela sombra da precária iluminação. Na blusa tinha uma frase - "Amor para sempre". Lembrou das sincronicidades de Jung, mas aquelas pernas não permitiam pensar muito.

Olá, disse à moça.
- Olá
O que faz aqui, em um lugar como este?
- Nada, estava cansada de ficar presa em uma sala e resolvi ficar presa na escada.
Interessante, é uma saída inteligente.
- É verdade, não encontrará muitas meninas inteligentes assim por aí.
Riram da situação.

Uma hora havia se passado, quando ela se deu conta que acordaria cedo, e nem ao menos se apresentaram. Daí veio a fase de perguntas caracteristicamente femininas:

- Você vem sempre por aqui?
Não, raramente passo aqui.
- Tenho que ir, amanhã nos encontraremos?
Talvez.
- Você tem Skype?
Pensou em dizer a verdade - não tinha nenhuma das inovações tecnológicas - mas resolveu negar apenas a da pergunta, mas ao fazê-lo ela duvidou. Seu instinto feminino entrou em estado de alerta geral. A lógica dizia que se ele recusou a informação, é porque a rejeitara. Nestas conjecturas, é comum as mulheres partirem para um ataque súbito, com o intuito de tirar as dúvidas e escancarar os motivos. Então veio a segunda pergunta:

- Você é casado? Responda a verdade.
Pensou em fazer um discurso sobre a questão filosófica da verdade, mas respondeu objetivamente como da forma anterior, desta vez de forma afirmativa.

A moça visivelmente magoou e partiu. Ficou seu perfume e a imagem da janela entre a sola e o salto, trançando as coxas ao levantar-se. Foi para casa e resolveu estudar mais sobre o assunto. Aquele perfume enebriou seus dias seguintes de uma forma indescritível. Mais que isto, a janela entre a sola e o salto, ao trançar as coxas, fixou-se em sua mente - a princípio achou que fora apanhado pela patologia dos seus estudos, mas logo percebeu que o fato dela ter sido agradável e atenciosa não evitou um delicioso fetiche por coxas femininas sobre um salto agulha.

Amanhã, pensou, desço no décimo andar e subo apenas um lance de escadas, e explico que tudo foi um grande mal entendido, quem sabe possamos ser amigos? Lembrou de uma piada sobre Freud, onde tem hora que um charuto é apenas um charuto. Riu sozinho e assim a vida continuou.

É isto aí!.

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