- Se não está sentindo bem em falar sobre isto hoje, podemos voltar ao tema pendente da fase da adolescência quando...
Sim, entendo, mas preciso falar sobre isto. Está me sufocando.
- Então fale, sentirá melhor assim.
Eu não sei explicar. Há um calor infernal que queima dentro de mim, parece que estou endemoniada, sei lá, possuída por uma entidade espiritual das trevas... (lágrimas contidas)
- Estou ouvindo.
Olha, não pense mal de mim. Não sou assim, quer dizer, não sei por que isto acontece comigo, mas sempre que penso em determinada pessoa, meu corpo arde em sensações indescritíveis... (leve sorriso malicioso).
- Não penso mal de você, acredite. Fale mais sobre isto.
Obrigada pela confiança. Você me deixa mais a vontade... sempre. Mas ocorre que não consigo explicar tudo. Há uma espécie de ritual em meu corpo. Sinto tremores, arrepios e quando isto ocorre tenho a sensação de volovelismo e depois necessito deitar, sabe. Mas não necessariamente deitar. O desejo real é postar-me de barriga para baixo e efetuar movimentos circulares de
braços e pernas para os lados.
- Entendo. Você tem a sensação de planar e cair suavemente em direção à água e então começa a querer nadar em "crawl"
Nossa, você entendeu tudo. É isto mesmo. E depois vem o desejo de deitar de costas sobre o piso.
- Sério?
Sim, tenho um forte desejo de relaxar, e deito de costas até que a tensão passe.
- E que mais?
É como um sofrimento que não encontro palavras.
- Continue...
(choro) Talvez (soluços) um pouco de calor me alivie... por que sofro assim?
- Calor? Como assim? Não havia falado sobre isto.
Calor humano (lágrimas), que aqueça minha alma...
- E com que frequência você vivencia estas sensações?
- Permanentemente. Por exemplo, neste momento desejo suas mãos massageando a minha pele, tocando meu corpo. Com certeza me dariam muito alívio...
- Sim, me perdoa, mas sinto necessidade de que alguém
forte me estreite em seus braços e me dê o alívio de que necessito...
- (silêncio)
E você é o único homem que pode me aliviar esta angústia.
- Vamos trabalhar melhor isto. O fato é que, na verdade, você está vivendo um sentimento transitório que faz parte de seu processo de cura.
E agora, assim, nua no divã, você percebe em mim uma ameaça à sua integridade física, moral e ética?
- Por favor, entenda, o que está ocorrendo é que há um bloqueio em sua memória, e você não recorda coisa alguma do
que seu subconsciente escondeu e reprimiu, mas expressa-o pela atuação, ou seja, reproduz aquela situação não como uma lembrança, mas como uma ação repetitiva e inconsciente.
Você não me acha gostosa? Nem bonita?
- (gaguejando e suando) Olha, você está promovendo transferências, com reduções das reações e
fantasias que, durante o avanço da análise, despertaram e
tornaram-se conscientes, mas com a característica de substituir alguém por mim. Isto passa, acredite. Você está a um passo da cura.
E agora, em pé atrás da sua poltrona, nua, passando a língua no seu pescoço? E agora sentada nua no seu colo, posso ficar assim?
- (desesperado) Dizendo de outra maneira, toda uma série de
experiências psíquicas prévias é revivida, não como algo do passado, mas como um
vínculo atual com a pessoa do analista. Algumas são simples reimpressões,
reedições inalteradas. Outras se fazem com mais arte e passam por uma moderação
do seu conteúdo, uma sublimação.
Assim, mordendo sua orelha, eu te digo, em sussurrante e ardente desejo - não quero ser mais psicanalisada, nem curada, nem tratada, quero ser amada...
- (tremendo e babando) Por outro lado, o motor da análise é o afeto. Pode haver uma situação artificial em que o amor pode ser vivido de modo a levar o
paciente à autonomia, e não à dependência ou submissão. Freud já alertava que os
pacientes se curam por amor ao analista.
Meu Deus do céu, isto quer dizer...
- Sim, é possível que nem tudo comece ou termine em Édipo
Não fala mais nada, cala a boca e me beija!
É isto aí!
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