segunda-feira, 19 de maio de 2014

O ex-amor de Carminha

Andava pela calçada, cabisbaixo. Em frente ao ponto de ônibus a viu sentada logo atrás do motorista, na linha 262-1. Olharam-se, a surpresa foi mútua. Procurou por ela nos últimos dias, mas sempre um evento intercedia e desencontravam. Enquanto refazia do susto, o coletivo partiu. 

Saiu em desabalada carreira, acenando para que fosse visto pelo retrovisor e o motorista parasse. Apesar de todo o seu esforço, o quarteirão demasiadamente extenso e o tráfego urbano intenso, coibiram sua intenção. 

Lembrou que a linha fazia uma volta pela Travessa do Raul e entrava na Avenida das Flores. Atravessou a rua sem olhar para os lados, cego que estava, tropeçou em um cachorro, e na queda levou consigo uma idosa gorda e bochechuda que o segurava pela guia.

Levantou sem tempo para esperar ou dar uma explicação, com fortes dores no ombro esquerdo. Desceu a Ladeira da Frida, e embalado pela gravidade, acelerou o passo, e aumentou a velocidade o suficiente para tropeçar numa caixa de engraxate, espalhando o engraxate, o cliente e tudo que pode voar.

Com as mãos esfoladas, sujo e dolorido, continuou a corrida, atingindo a Avenida das Flores, mas com os imprevistos, perdeu o tempo do ônibus, que já passara do ponto e seguira rumo à Praça da Matriz, mas ainda teve tempo de perceber que ela o vira.

Optou por correr pela rua, rente aos carros estacionados e não viu quando a porta de passageiro de um SUV abriu. O choque foi inevitável. Com o impulso da corrida e o peso aumentado pelo deslocamento, a porta acolchoada abriu no limite e voltou pela compressão da mola. Bateu de costas sobre um ciclista apavorado, e voltou ao desesperado intento.

Chegou ao ponto junto com o ônibus. Subiu alucinado e enquanto procurava o dinheiro da passagem, Carminha saia pela porta dos fundos. Voltou à calçada com uma agilidade felina. Quase voou ao seu encontro, e com a mão direita segurou fortemente no seu braço esquerdo. 

- Mas o que é isto Armandinho? Bebeu? Está surtado? Olhe para você, todo sujo, rasgado e sangrando.

- Carminha, preciso te falar uma coisa...

- Então me solta e fala.

- Eu sei que você está me traindo com o Carlão, do seu escritório.

- Como você pode dizer uma coisa destas, Armandinho?

- Tem evidências visíveis, e tem mais uma coisa.

- O que mais você vai usar para me ofender?

- Você está grávida.

- Ficou maluco? E de onde você tirou isto?

- De mim. Eu troquei as suas pílulas.

- Você é louco?

- Sim.

- E por que não me disse isto antes?

- Porque eu queria vingar do Carlão e terminar com você e não sabia como...

- Armandinho, o Carlão é gay.

- Gay? Como assim gay? Então você e ele, quer dizer, então, o Carlão, você, quer dizer, então, puta que pariu, estou fodido.

É isto aí! 
      

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