terça-feira, 25 de agosto de 2015

Música de velório























Simplício Tenório Dutra era um funcionário público exemplar, destes metódicos, corretos e retos. Nunca faltara ao trabalho, nunca levantara a voz em quaisquer circunstâncias, nunca ganhara um a mais em negociatas escusas da turma do ofício, enfim, era um cidadão honesto e correto. Usava sempre óculos de armação redonda, terno azul-marinho, meias, sapatos e suspensório pretos, não fumava, não bebia, e ia religiosamente à igreja aos domingos.





Não gostava de futebol, jamais discutira quaisquer assuntos políticos, não viajava, não cumprimentava nenhum vizinho, não ia a restaurantes, não cantava no banheiro, não bebia água gelada, não dirigia, não andava de bicicleta. Lia metodicamente o jornal local antes de sair e um nacional ao chegar à repartição, enquanto escutava o noticiário pela rádio AM comprada única e exclusivamente para isto. O café tinha que ser frio e sem açúcar, detestava leite e refrigerante.





Em casa era um pai sistemático, mas terno; exigente, mas educado; vigilante, mas sem restrições; enérgico, mas não bravo. As três filhas eram lindas, apaixonantes e apaixonadas pelo pai. A esposa fazia todas as tarefas do lar, cuidava das finanças domésticas e já há uns dez anos não recebia mais a atenção conjugal devida. Simplício só tinha relações nas quintas-feiras, natal e ano-novo, desde o fim da lua de mel. Nunca mudou de posição, nunca, fez de outro jeito, nunca perguntou ou comentou sobre o assunto e ela acabou achando que aquilo era natural.





Quando fez vinte e nove anos de carreira, começou a preparar-se para a aposentadoria e para a morte, pois achava que morreria sem a repartição pública. Preparou um testamento onde descrevia os pormenores do funeral, desde a divisão metódica dos bens até o sétimo dia, e ali explicou como deveria ser toda a operação, qual roupa usar, o que deveria estar nas faixas e o principal - fez uma enorme e exaustiva pesquisa para determinar as 30 músicas que deveriam tocar no velório, e o CD seria distribuído aos presentes.





Simplício comprou o jazigo, o caixão, a roupa, mandou fazer o CD e aguardou o fim. Aposentou e ... nada, Não morreu. A esposa veio a óbito em trágico acidente doméstico ao subir a escada para lavar as janelas apenas uma semana após sua aposentadoria. Já no velório, o viúvo se engraçou com Taninha, a irmã caçula da falecida, vinte anos mais nova, loirinha, lindinha, criada pelo casal desde novinha. A moça correu na casa, pegou todos os duzentos CD's, colocou-os no caixão da mana morta e viveu uma tórrida, louca, ardente, intensa e incandescente paixão com o cunhado por muitos e muitos anos. 





É isto aí!

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