"Operários" de 1933 – Óleo sobre tela (150 x 205 cm) . Acervo dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo (Palácio Boa Vista – Campos do Jordão – São Paulo – Brasil)
Poema de Thiago de Melo:
Escritor e tradutor amazonense, com obras traduzidas para mais de trinta idiomas, é conhecido também como o poeta da floresta. Sua escrita é comprometida com as causas sociais e ambientais, especialmente, a conservação da Amazônia.
Perseguido durante o regime militar no Brasil, exilou-se no Chile por dez anos, porém não abandonou a escrita. Dentre suas obras mais conhecidas estão: Faz escuro mas eu canto (1965), A canção do amor armado (1966), Poesia comprometida com a minha e a tua vida (1975), Os estatutos do homem (1977) e Mormaço da floresta (1984). Em 1975, o livro Poesia comprometida com a minha e a tua vida foi premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte. Essa premiação possibilitou que o escritor fosse reconhecido internacionalmente como um intelectual engajado na luta pelos direitos humanos.
Praia (Bahia)
Andar na rua de qualquer cidade
Vesperata em Diamantina
Abraçar minha mãe
Não ler nada do que foi deste tempo
Entrar numa igreja, ajoelhar e ficar ali, contemplando
Cortar o cabelo
Chorar escondido por toda a dor que vi e ouvi.
Perdoar a todos que me tenham ofendido
Continuar sem entrar no cheque especial
Pedir perdão a quem de direito
Amar ao próximo
Amar muito mais a mim mesmo
Andar na chuva
Desligar as redes sociais por três dias e três noites.
Manter as metas do sonho
Manter os propósitos das metas
De tudo ao meu amor serei atento antes.
Por enquanto está boa, mas longe de estar completa
Reproduzo acima a capa do ultimo livro publicado e abaixo e respondo aqui como crônica de uma alegria anunciada, o comentário da escritora, poetisa e professora da apaixonante Juiz de Fora, Amanda Machado, que você poderá ver in loco aqui:
sigo por aqui, nessa inesperada, assustadora e, talvez, transformadora quarentena (com inevitáveis afastamentos e novas aproximações, de outras ordens) lendo-o e dialogando com os seus textos.
Há muitas teimosias admiráveis, muitas mesmo! O auto desafio é uma das que mais admiro. Que bom que a sua resolução íntima nos dá regalos maravilhosos...
Quanto à pergunta, sim...tem dias que conversar ou escrever é um peso, mas aprendemos tanto sobre superação quando nos propomos a avançar mesmo pesados, não é?
Parabéns pelo desafio e pela quase conclusão. Abraços de uma amiga quase silenciosa, mas sempre presente.
Recebi nesta manhã sua carta, elegante como sempre, postada acima. Logo me ocorreram dois pensamentos, que adiante busco explicar:
- Essa moça ... Só de ser de Juiz de Fora, já explica o talento!!
- Quem quer passar além do Bojador, tem que passar além da dor. (Fernando Pessoa - Mar Português)
Na juventude, experienciei Juiz de Fora com uma alegria que nunca mais reconheci em mim. O vento mudou, as velas içaram e a nau que leva minha vida seguiu além do bojador.
Cada vez que recebo um comentário seu torno a colocar os dois pés no calçadão da Halfeld, subir o Morro da Glória até as imediações do Colégio Santa Catarina, para tomar café na casa do meu tio-avô, que era tradicionalista, com todo um cerimonial para o evento - minha visita era um evento para eles. Fazer a rota inversa, subindo pelo Alto dos Passos, comer um pastel no Mexicano, tomar uma tantas no Bar do Bigode, sair na primeira e na segunda versão da banda Bandida, ir ao Museu Mariano Procópio, subir a pé até o Mirante do Imperador, assistir um filme no Cine Central e passar na Grandeza Real para ouvir samba de primeira qualidade. Saudade do São Matheus, saudade de ter saudade da saudade de um tempo tão bom.
Sou integralmente gratidão por suas palavras, Amanda, que sempre me transportam para este lugar tão aconchegante do meu passado. Lembro quando estava buscando na rede poemas da Wislawa Szymboska e a busca me levou ao seu blog, sete ou oito anos atrás. Wislawa deve sorrir no seu jeito polaco. Acho que vou santificar Wislawa na Pitangueira.
Então doutor, sabe, eu passei os últimos vinte anos de uma maneira muito difícil, impossível, longe da minha realidade desejada. Lembro que na infância sonhava com coisas as mais impossíveis, além de desejar ser motorista de caminhão. Talvez tenha sido a profissão que mais desejei até a vida começar a emitir suas faturas.
Por que motorista de caminhão?
Ah! Viajar, conhecer lugares, levar e trazer as coisas.
Interessante. E hoje?
A solidão que habita em mim é terrível. A vontade de sair pelo mundo deve ter sido semeada nos sonhos daquela época, mas quando penso num caminhão, logo vem a tristeza, não consigo visualizar alguém que divida esta jornada comigo e que me faça feliz. Sou solitário. Não tenho mais sonhos, nem ilusão, e não acredito na felicidade.
Vamos por partes. Sonhar todas as noites e recordar o que sonhou é quase um privilégio, mas ter sonho como meta é obrigação. Sonho pode ser muitas coisas, inclusive nada, pode ser revelador, pode ser simbólico, mas ter um só um sonho, destes que se vive acordado, é o que move a sua vida, tira você da cama, faz você sair na sua busca.
Será? Ter sonho é obrigação?
Se você não tiver um sonho, uma meta e os propósitos que perpassarão esta meta, você ficará andando em círculos, como um caminhão com a direção travada, tudo funciona, mas só em movimento circular. Então, sim, viver neste mundo nos obriga a sonhar.
Mas me falta a felicidade. Nunca fui feliz desde ...
Antes de completar sua argumentação, saiba que a Felicidade é um processo de ausência de sofrimento, enfim, a felicidade passa por não sofrer e ser infeliz é possuir a sensação de não ter algo que se deseja. Reveja seus sentimentos e fale em qual destas duas realidades você se reconhece mais.
(silêncio)
Pode refletir, feche os olhos e se pergunte - Não conheço a Felicidade ou sou Infeliz?
Sou infeliz - não tenho com quem viajar no meu caminhão da infância, mesmo que fosse para dar círculos. (lágrimas)
Semana que vem, está certo? Semana que vem retornaremos esta viagem.
Caramba, hoje já é vinte e seis de abril de 2020. No dia 31 de março eu fiz uma aposta estúpida comigo de que seria capaz de publicar um texto por dia durante o Abril, enquanto durasse a quarentena. Gente, não é fácil. Todo dia sentar diante da tela, e permitir-se escrever.
Hoje a postagem é de gratidão a você que sempre está aqui, não se preocupe, o anonimato é a regra do blog, a não ser que você se pronuncie nos comentários. Esta é a vantagem, diferente das redes sociais, aqui é um local único, de relação direta entre quem escreve e quem lê.
Vamos avançar em outros temas, quero antes terminar esta aposta comigo mesmo de que seria capaz de uma coisa desta natureza. Tem dia, como hoje, que conversar ou escrever é de um peso sobrenatural. Com você é assim também?
Então é isto. É uma postagem propositiva para manter a ordem natural das teimosias. Nunca aposte contra você mesmo, a não ser que o prêmio seja objeto de desejo,mas isto fica para outra postagem.
Joãozinho era o bebê mais lindo da rua, era o menino mais esperto da região, era o garoto mais inteligente da escola, era o rapaz mais estudioso do ensino médio, era o aluno mais aplicado da faculdade até que Joãozinho foi abduzido e desapareceu com Dolores Orquídea, para desespero da sua namorada desde os onze, Claudinha Torque.
Claudinha Torque abandonou a faculdade, abriu uma barraca de salgados e churrascos na feira, conheceu Claudionor Junqueira, vizinho de função, criaram um restaurante, outro e depois uma franquia. Claudinha Torque aos trinta anos estava rica e infeliz.
Claudionor Junqueira cansou-se das lamúrias e apurrinhações de Claudinha e fugiu com Dezinha Lisboa, uma mulata encantadora, auxiliar da cozinha do restaurante que administrava. Dezinha triplicou a fortuna de Claudionor e foram felizes para sempre.
Claudinha Torque seguiu a vida triste e lamentando em tempo integral sua infelicidade, até que conheceu Salvador Varejo, um pequeno distribuidor de alimentos. Em apenas quatro anos quadruplicaram seus negócios e separaram-se quando descobriu que Salvador Varejo era ex de Dolores Orquídea, a malvada que destruiu seu coração.
Um dia, e este dia sempre chega, entra no restaurante internacional da tristonha, seu grande amor - Joãozinho. Estava só. Empolgadíssima, apressou-se a vir recepcioná-lo dispensando todo o ritual da empresa. Levou-o até a área vip, pediu o melhor vinho e enquanto esperavam, olhou nos olhos de Joãozinho que não olhava nos olhos de ninguém.
- Joãozinho, olha bem nos meus olhos, quem sou eu para você?
- Você sabe meu nome?
- Joãozinho, você está brincando, olha bem para mim, quem sou eu?
- A garçonete do restaurante?
- Joãozinho, estou falando sério.
Joãozinho levantou-se e partiu sem olhar para trás.
Claudinha Torque ficou milionária, linda, solitária e estranhamente feliz.
- Estava arrumando a cadeira que estava fora do esquadro da mesa.
- Engenheiro, não é?
- Sim, com muito orgulho.
- Sinto muito, mas engenharia não é aqui, é na terceira porta à direita.
- Eu já estive lá. Está lotada a sala, e tem senha para pegar a senha.
- Se já esteve lá, sinto muito. Próximoooo!!!
- (silêncio)
- Pode se aproximar e feche a porta.
- (silêncio)
- O senhor é mudo?
- Não, senhor.
- Experiência profissional?
- Várias, e em todas fui bem sucedido.
- Interessante. Quantas experiências o senhor tem acumuladas?
- Dez.
- Dez? Veja só, sente-se, por favor e me fale das três que mais gostou.
- Humm, vejamos, fui auxiliar de reprodução de elefantes, testador de sexo de granja e fluffer.
- Como é que é? Fluffer?
- Isto mesmo, e era muito disputado. Fluffer é o responsável por manter atores e atrizes pornôs excitados entre as tomadas de um filme.
- Uau, você tem o perfil que precisamos.
- Posso saber o serviço?
- Sim, claro. O senhor vai ser terceirizado como chefe supremo do Desserviço de Segurança Colonial.
- Desserviço? como assim?
- Bem, pessoas com seu perfil são raras de se encontrar pois o senhor entende do babado e faz tudo para a canoa não virar e além disto sabe fazer uma sacanagem intermediária para que depois de editada apareça como final feliz.
- Interessante seu ponto de vista
- Então, com a sua rica experiência irá atuar para que algumas pessoas do interesse do Departamento não se protejam com todas as informações supostamente disponíveis; vai selecionar confidencialidade; vai expor a integridade de alguns membros da sociedade ao escárnio midiático; intervirá na indisponibilidade de processos diversos em todos os labirintos, corredores e porões; poderá questionar a autenticidade de laudos e documentos e por fim vai sempre estar ao lado da nossa legalidade, tudo para mantermos a tradição da liberdade, aja o que houver.
- Quando começo?
- Já está atrasado.
- Dona Amélia, ligue urgente para o Grande Líder.
- Sim, doutor Peixoto.
- Dona Kátia, o Doutor Peixoto precisa falar urgente com o Grande Líder.
- Doutor Peixoto, sua ligação, senhor.
- Fala, Peixoto, mas seja breve. Essas merdas da comunicação ainda não editaram um escândalo novo.
- Grande Líder, seus problemas acabaram. Estou enviando para o Departamento um flufferista profissional.
- au.au.au, Peixoto, estou salvo. Se não fosse minha macheza alfa suprema eu te daria um aceno de longe, Peixoto. Manda manda manda.
Há uma imensa manifestação em avançado estado de conflito na sempre promessa de futuro conhecida como Geolândia, uma ilha virgem como os lábios de mel, no meio do oceano agitado de vespas, marimbondos e capivaras. Só a piranha não dá no mar, salvo autorizada por salvo-conduto da suprema goma, como diria o especialista de mar quando não está para peixes. Dr Armando Golpe.
Segundo a especialista e famosa filologista Lavouta Limpo, novas palavras entraram no dicionário daquela ilha amada nos últimos vinte anos, alguns neologismos e algumas novas interpretações para velhas conhecidas. Isto tudo é balela, afirmou a formosa donzela.
Segundo o especialista e analista neanderthal, o famoso observador Jota Silva, daqui a alguns anos o que é adjetivo ofensivo ou glorioso estará enterrado na cova rasa da hipocrisia, ou num jazigo abandonado da história.
Segundo o especialista de formação de aglomerados, Caminha Dentro, o fato é que ao cruzar a fronteira entre a razão e as emoções que pululam, a choldra está só, e os atores continuam nus, mas não se importam. Eles são todos os que acreditam que juntos e misturados são capazes de ficar mil anos contracenando, como num imenso palco, onde cada um exerce seu papel - você da esquerda fique ali, o da direita mais para o centro, os extremistas revesam fundo e frente intermitentemente.
Novos tempos estão cada vez mais exigentes em especialistas e cada vez menos exigentes em humanidades, suspirou o seu Joãozinho, pipoqueiro da porta da Paróquia.
Dia destes acordei estranho, e não era manhã, era noite ainda, ou melhor, já era noite de um dia zero, onde começou o que sempre achei ser lenda urbana, conto para despertar sorrisos. Acordei numa noite totalmente silenciosa. Tateei meu corpo, certifiquei que estava ali fisicamente, recorri a pensamentos lógicos como nome, idade, coisas que só eu sei, cálculos matemáticos simples, e verifiquei que eu era eu mesmo, e era noite.
Só então percebi que estava no campo aberto, o céu era o céu, mas as estrelas estavam numa posição diferenciada, não reconheci aquele céu. Duas luas clareavam o ambiente, uma prateada e a outra azulada. Havia um silêncio absoluto, você já experimentou um silêncio absoluto? Experimente entrar numa câmara anecoica, ou seja, uma cabine totalmente à prova de sons. Após alguns segundos ouvirá dois sons: um agudo, produzido por seu sistema nervoso, e outro grave, gerado pela circulação do sangue nas veias.
Pude ouvir também meus próprios batimentos cardíacos, os pulmões em atividade respiratória e até mesmo pequenos ruídos emitidos pelo estômago, e depois e algum tempo comecei a experimentar alucinações bizarras, outras prazerosas e outras assustadoras. E todas estas alucinações estavam lucidamente dentro da minha mente, não vinham do exterior. Algumas vezes gritei, outras chorei, outras fiquei aterrorizado.
Na medida que as alucinações avançavam, fui ficando calmo, percebi uma necessidade, o termo que encontro, de levitar. Levitei até a altura da copa de uma árvore que desconheço. Ali estabeleci contato com cinco seres interiores, sendo o primeiro o Medo, depois a Tristeza, depois a Alegria, depois veio a Raiva e por fim o Afeto. Cada um revelou-se dentro de mim, mostrou suas dores e suas conquistas.
Foi quando me dei conta que eram minhas emoções, e elas existem tanto quanto eu. Não se separam, não brigam entre si, não prejudicam umas às outras. Era minha vida que as fazia estabelecer parâmetros, uns bons, outros não tão bons. Foi uma noite intensa, longa, num céu que desconhecia, que habita dentro de mim, meu mundo particular, onde nunca estive.
Voltei para refletir sobre estas coisas. Quantas vezes me feri por desrespeitar minhas emoções, quantas vezes errei por contrariar minha natureza humana? Nunca mais fui o mesmo.
Dia destes sonhei algo estranho, não sei bem explicar a forma das coisas, estava tudo estranho, mas qual sonho não é estranho, não é mesmo? Na verdade sonhei com você, não era exatamente você, mas era você. Era, humm, simbolicamente você, entende? E eu estava ali também. Engraçado, sonhei duas vezes com você nestes dias.
Bem, no sonho eu cheguei a uma cidade linda, sem edifícios altos, parecia uma cidade medieval, com casas coloridas, fachadas floridas, pessoas andando sem pressa. Não havia automóveis, nem postes, nem fios, nem celulares. Vi lojas de todas as variedades de comércio, lanchonetes, padarias, restaurantes, vi também crianças correndo prá lá e prá cá.
O sol, engraçado, não vi o sol, mas tudo era tão claro, o céu parecia azul, mas às vezes rosado, e a rua de calçamento de pedras, como conheci na infância, reluzia o céu, e hora era dourada, outra prateada ou rosada. Um senhor do outro lado da rua veio ao meu encontro, pois eu estava ali parado e não sabia como cheguei e para onde ir. Aproximou-se com um sorriso largo, me abraçou e me chamou pelo nome.
Logo fez sinal para outras pessoas, idosos, mulheres, moças, rapazes e foram se aproximando e todos me abraçavam ao mesmo tempo. Então comecei a chorar, chorei muito, meus olhos ficaram muito embaçados. Foram me levando pela rua dourada, e ao cruzar uma esquina, a outra rua era mais linda, também com tons dourados, sem fusco, não havia aquela ostentação de luz, porém ao mesmo tempo tudo era luz, com um brilho inexplicável.
Nesta esquina, de frente para uma casa com sacada, que vi você. Senti uma aflição, uma vontade louca de gritar - Olha, é o meu amor! - mas não conseguia falar. Você estava linda, num vestido azul, sem sapatos, engraçado, você estava descalça, e quando olhei para meus pés, também estava descalço. As pessoas foram se despedindo e ficamos ali, nos olhando. Entre nós jorrava um fonte de água, de um esplendor inigualável.
Foi quando senti um puxão nas pernas, sabe? Como se estivesse numa piscina, tentei me agarrar a alguma coisa, mas só consegui piorar os movimentos, até acordar na cama, ainda tentando retornar à superfície.
Uau, para uma mulher elegante, você gastou sua cota de berço.
O que você quis dizer com isto, Armandinho?
Nada, meu bem, apenas lembrando quem era antes e depois de mim.
Olha aqui, Armandinho, olha aqui, vá para a triputa que o pariu.
Humm ... nada como um banho de cultura mariodeandradeana, que custou meu dinheiro nas suas aulas particulares de Modernismo, que você achou que era um curso para aprender a morder..
Armandinho, eu sei que vim de uma família humilde, mas sei também a origem da sua família.
E???
Nada, Armandinho, nada.
Olha aqui Carminha, quem tirou seu irmão da cadeia? Quem pagou as fraudes fiscais do seu pai?
Mas eu nunca te pedi nada. E nunca estive a venda. Seu bosta, seu merdinha.
Olha só!! Nunca pediu nada? Tem certeza?
Ah! Não! Eu sabia que um dia você iria jogar isto na minha cara. Você é sujo demais.
Viu? Não adianta falar embolado. Você tem déficit cognitivo, Carminha.
Eu sei que eu tenho déficit na conta e no cartão, Armandinho, mas quem não tem?
Déficit na conta e no cartão? Carminha, que papo é este? Eu pago todas as suas contas.
Ai, amor, sabe o que que é??
Não sei, não quero saber e está sem mesada. Que fechem a sua conta e bloqueiem seu cartão.
Mas, amor ...
Amor, o caralho, Carminha. Mas fala, fala aí, sua megera, o que você fez?
Fiz nada, amor, ainda não fiz nada, quer dizer, fiz uma promessa e agora estou com déficit na conta do nosso programa de quarentena, quando garanti a mim mesma uma posição diferente de Kama Sutra por dia para ir anotando num cartão. até acabar esta coisa.
A coluna vertebral é repleta de todo o tipo de mensagens e, cada divisão anatômica, assinala um conflito emocional muito específico.
A coluna vertebral em si é o reflexo da forma como vivo os meus fundamentos / valores internos. Podemos olhar para a coluna vertebral como um pilar que nos mantém firmes. Os nossos fundamentos e valores (os nossos pilares) caso não sejam respeitados, entramos em conflito emocional e biológico, podendo afetar a coluna em determinados locais e com patologias específicas.
Assim, as patologias que afetam a coluna têm relação com: a minha vida, com o que penso, como o faço, como me relaciono e com a comunicação que tenho com os outros… São os FUNDAMENTOS BASE da nossa vida quotidiana.
A PALAVRA-CHAVE PARA TODO O SISTEMA OSTEOARTICULAR É DESVALORIZAÇÃO. NESTE CASO, EXISTE UMA DESVALORIZAÇÃO EM RELAÇÃO A VALORES CENTRAIS, ESTRUTURAIS, IMPORTANTES PARA MIM, NOS QUAIS NÃO ESTOU A CONSEGUIR RESPEITAR.
Ao nível da arquitetura anatômica, a coluna é a fundação de uma casa e a sua base, toda uma estrutura sólida que suporta tudo o resto, num eixo central onde tudo é sustentado e construído. É a referência na sensação de “movimento do fluir” do nosso dia-a-dia.
Na coluna encontramos cinco grande zonas simbolicamente distintas: CERVICAL, DORSAL, LOMBAR, SACRO e CÓCCIX. Em cada uma delas existem conflitos relacionados, mais precisamente em cada uma das 33 vértebras, variando em função da sua posição e dos órgãos nas quais se encontram relacionadas.
CERVICAIS
O pescoço é o prolongamento da cabeça e ajuda a aumentar o perímetro de recepção da informação que nos chega através dos 5 sentidos. Por outro lado, leva a informação da cabeça para a parte inferior do corpo. É um local de CONEXÃO entre cabeça-corpo, um lugar onde passam muitos condutos: os nervos, veias, artérias, traqueia, laringe, esófago, onde flui sangue, alimentos e informação. É a conexão entre o que ocorre na minha na cabeça e o com o meu corpo, ou entre o que ocorre no meu corpo e chega á cabeça. Assim, todas as patologias cervicais implicam um desacordo entre o que penso e o que faço. Há uma divergência entre os meus pensamentos e as minhas ações, levando a uma dor moral que se pode traduzir numa dor física na zona cervical. “Será que digo / faço o que eu penso?”
A palavra-chave das vértebras cervicais é a COMUNICAÇÃO. Nas cervicais também se encontram a nossa VOZ, isto é: o que dizemos, o que não dizemos, os segredos, a expressão do que somos em coerência com o que comunicamos, em conjugação com a cabeça, emoções e palavras. Por exemplo, um torcicolo é um sintoma que fala por si mesmo. Qual é a utilidade de um torcicolo? Impede o movimento lateral da cabeça, justamente afetando os músculos que nos permitem dizer “NÃO”. Momentos antes de um torcicolo, normalmente no dia anterior, relembrar qual foi o momento em que querias dizer “não” mas disseste “sim”. Vais encontrar uma resposta. Em torcicolos, por norma, podem encontrar-se pessoas que dizem “sim” quando querem dizer “não”, não existindo coerência entre o que pensam, sentem e falam /fazem.
DORSAIS
Em torno da parte central da coluna vertebral encontramos os órgãos básicos para a sobrevivência: coração, pulmões, fígado, estômago. Os conflitos emocionais que mais afetam esta zona e vértebras estão relacionados com pessoas que se sentem como sendo os PILARES DA FAMÍLIA, pessoas que são elementos centrais dentro do clã familiar, que se responsabilizam por carregar / solucionar os problemas de todos e de chegar a todo o lado. Com os “pilares da família” todo o mundo pode contar com eles e, ocupar esse lugar, implica transportar uma carga muito pesada. Sentem que trazem consigo o peso dos demais e necessitam de ser os mais fortes para suportar todos.
Para ilustrar este conceito de pilar de família, nada melhor que expor um caso de uma mulher que trabalha como enfermeira num hospital. Pela primeira vez na vida, entra em baixa médica porque desde há dois meses que não se consegue levantar. Os médicos diagnosticaram uma Espondilite Anquilosante, (patologia que leva à fusão das vértebras) sendo neste caso dorsais, provocando uma rigidez e impedindo movimentos livres. O que acontece é que ela trabalha para todo o mundo. Ela é o “Pilar” central de qualquer coisa, desde ao nível familiar, profissional e social, e nunca diz “não” quando alguém lhe pede algo, dizendo automaticamente “sim”, transportando consigo todos os temas “pesados” da família. A senhora cuidava dos seus irmãos quando estavam doentes, ajudava-os economicamente, judicialmente, nos quais se encarregava de ajudar quase todos eles. Com isso, consciencializou-se que precisa de uma coluna muito forte para suportar isso tudo. Podemo-nos perguntar: “porque esta mulher ocupa este papel na família?” Indo pela sua história pessoal, no momento do seu Projeto Sentido Gestacional descobriu-se que os seus pais queriam um rapaz em vez de uma menina e que ela teve que assumir inconscientemente, desde sempre, um papel masculino e forte, onde tinha que suportar tudo e todos, num misto de serviço com sacrifício (ver também o caso ELEFANTE DE CARGA).
Nesta zona também encontramos as costelas que conformam a caixa torácica, que por sua vez protegem os órgãos internos mais delicados. Quando há sintomas de dor ou fractura nas costelas trata-se de conflitos inoculados relacionados com as relações hierárquicas reais e simbólicas. Neste caso, as 4 primeiras costelas existe DESVALORIZAÇÃO em relação aos ASCENDENTES (pais, avós, tios, chefes, padrinhos…), as 4 médias com COLATERAIS (irmãos, namorados, colegas, amigos, primos…) e as 4 inferiores com os DESCENDENTES (filhos, sobrinhos, alunos…). As costelas são como se fossem uma árvore genealógica incorporada na zona dorsal e lateral do corpo.
LOMBARES
Esta parte baixa da coluna partilha um espaço com os órgãos sexuais, parte do sistema digestivo inferior, os rins e bexiga, e representa a base de apoio da nossa estrutura, o que nos mantém erguidos ou nos faz subjugar. De uma forma geral, as lombares estão relacionadas com o tema da “relação com o outro”, que é a frase-chave desta região vertebral.
A tônica emocional que compõe esta zona encontra-se sobretudo ligada com as RELAÇÕES e a SEXUALIDADE. Em muitas mulheres, encontram-se lombalgias frequentes por sentirem um sentimento de culpa de fazerem “algo” que não deviam, depois de terem relações sexuais com os seus companheiros ou maridos. Por vezes, nas suas relações vivem uma relação de submissão feminina (“o dever da mulher é agradar o homem”), causando um desrespeito com um valor central na sua vida, em relação a si mesma ou na forma como vive o seu casamento. No caso de homens, pode existir uma relação de subjugação às suas namoradas ou esposas, no sentido de ter que acatar exigências emocionais excessivas.
SACRO
Tal como o nome que define esta zona, “sacro”, encontra-se relacionada com valores SAGRADOS que regem a nossa vida e se encontram desrespeitados ou desvalorizados, sendo estes: religiosos, políticos, humanos, familiares, de relação, etc.
COCCIX
Esta é a zona afetada quando nos sentamos numa cadeira ou num lugar qualquer. Quando há conflitos com o cóccix, pode remeter a problemas de identidade ao nível estrutural, com o lugar onde ocupo na minha família, como se existisse a sensação de “não tenho lugar na minha família”, “que me sinto excluído / aparte da minha família”, levando a questões como “Onde me sento na mesa da minha família?”, O que sou para eles?”
Sempre que nos referimos a dores nos ossos e músculos, baseamos no terreno emocional dos conflitos de DESVALORIZAÇÃO com uma sensação de: sinto-me rebaixado(a), inferiorizado(a), desrespeitado(a), menosprezado(a), incompetente, incapaz de…, etc, onde existe um conflito entre os meus VALORES / FUNDAMENTOS e os RESULTADOS das minhas ações.
Assim, em qualquer temática osteoarticular, a solução passa por VALORIZAR-ME A MIM MESMO, ATENDENDO AOS MEUS FUNDAMENTOS. É vital criar um sistema de valores nos quais me sinto bem, vivê-los em coerência com a minha vida, destacando-os em relação aos outros e no lugar do mundo onde ocupo.
Em todas as patologias da coluna, existe um bio-choque que gera uma emoção que não se expressa e logo aparece o sintoma, neste caso sintomas osteoarticulares. Ao longo do tempo vai aumentando a tensão emocional, levando ao chamado “efeito jarro psicossomático”, que consiste em acumular pequenas coisas de pequena importância que se vão repetindo ao longo do tempo, sobrecarregando o tecido muscular, articulatório, com desgaste do mineral ósseo. Ao fim de algum tempo, aparece o sintoma vertebral através de situação na vida aparentemente insignificante (um conflito com alguém, uma mudança de trabalho, um projeto novo, etc…), sendo essa a gota que faz transbordar o jarro psicossomático. Na maioria das vezes, baseia-se num conflito de baixa intensidade que se repete durante muito tempo.
Copiado e colado de: Fonte: https://www.verdadesdocorpo.com/2016/06/20/coluna-vertebral-e-a-relacao-com-as-emocoes/ Fontes original: biodiana.com Traduzido por: Marco Sousa Texto adaptado para: Verdadesdocorpo.com Informação bibliográfica: Sellam, Dr.º Salomon, Los huesos – generalidades (vol. 7), Bérangel Editorial, 2011 Sellam, Dr.º Salomon, Los huesos – La espalda (vol. 8), Bérangel Editorial, 2011
Vovó Herta era muito séria, nunca a vi sorrir. Seu corpo era feito um cubo mágico. Tinha dois metros de altura, dois metros de largura e dois metros de profundidade. A voz lembrava uma tuba rouca. As mãos davam na medida de uma raquete de tênis. Já vovô era franzino, um metro e sessenta, corpo esguio. Vivia rindo, gesticulando muito, falando manso com sua voz baixa.
Um dia vovô Enzo trouxe da pescaria um peixe enorme. Colocou num carrinho de mão desde a margem do rio e veio carreando. Chegou, pigarreou e deixou na cozinha. Vovó Herta mediu o peixe com os olhos, mediu vovô Enzo com o dedo indicador, mordeu o lábio inferior, tossiu uma tosse forçada e seca e deu de costas perguntando - você vai limpar? - Claro que não, obrigação sua, minha função é abastecer.
O peixe ficou na mesma posição por 4 dias, até que o cheiro insuportável fez tia Queta abrir uma vala no fundo do quintal e pagar dois meninos para enterrarem o cadáver putrefato.
Dois dias passados, vovô Enzo chega da pescaria com outro peixe maior ainda, também dentro do carrinho. - Está aqui, velha, vê se não faz de boba e limpa este peixe.
Vovó Herta fervia uma panelão de água destinada ao tingimento das roupas de cama, no fogão à lenha. Olhou com rabo de olho, nem titubeou, pegou nas duas alças e já virou mandando a água azul fervente sobre o que estivesse atrás dela. Vovô Enzo saiu um milésimo antes, graças ao seu corpo franzino, mas o peixe ganhou coloração nova. Três dias depois tia Queta repetiu o serviço funerário.
Na semana seguinte vovô Enzo saiu sorrateiramente e trouxe ... exatamente isto, trouxe outro peixe. Entrou confiante na cozinha empurrando o carrinho. - Velha, toma vergonha e limpa este peixe. Mas não a viu à beira do fogão. Sentiu que havia algo errado. Só ouviu o sibilar da corda de sisal e daí para frente tudo se deu em sete segundos.
Vovó Herta, depois de laçar o vovô e correr para ele rapidamente, mantendo um controle firme sobre o laço, rodou varrendo o seu braço direito sob o corpo franzino, fazendo com que ele caísse na vertical.
Segurando o vovô com o braço esquerdo, pegou as pernas dele e rapidamente embrulhou a corda de sisal em torno delas até os pés. Em seguida, já imobilizado, abriu o ventre do peixe no carrinho, deitou vovô sobre aquela sopa de órgãos, vísceras e sangue e levou para o quintal quando pretendia arremessar peixe e pescador, amarrados no carrinho, ao longe. Foi quando tia Queta veio correndo esbaforida, gritando - mãe, mãe, para, para ... papai tem labirintite.
- Como é que é, Queta?
- Abafada e arfando - papai tem labirintite.
- Porca miséria. É verdade! Vai, tira este porqueira daí. Vou tomar um banho...
Senhoras e senhores, aqui e agora o maior espetáculo do planeta. O jogo do século. Começa a peleja. Valendo a Taça Corona!
Abre os olhos, espreguiça e passa as pernas sobre a coberta. Zé Gomes, algum comentário?
Olha Carlosalberto. Vai ser o maior jogo da quarentena. Está todo mundo muito concentrado. E este passe que ele deu, olha, foi sensacional. Que jogada!
E segue o jogo, levanta, olha para a cama, encontra a patroa, pensou em dar um passe mas tem muita gente em volta dela, hem Zé Gomes - as crianças estão marcando muito a mãe, bem de perto, até pensou em querer voltar, mas assim não dá, Zé Gomes.
Olhá Carlosalberto, com este meio campo congestionado, com o cunhado e esposa e mais três crianças de visita e quarentena no quarto das meninas, vai continuar sem chegar nas redes até acabar a corona ou até o cunhado desconfiar e voltar para a cidade dele.
Aqui Rádio Pitangueira, a maior audiência do reino. Que foi agora, Zé Gomes?
Banheira, Carlosalberto ... na banheira ...ficou sozinho na zona do agrião.
Saiu da banheira, voltou para o quarto, e, olha lá, jogou a toalha ... Zé Gomes, pode isto?
Não deveria, mas a regra não é clara para toalha molhada, Carlosalberto.
Seguiu para o corredor, caminhou para a sala, driblou um menino, tropeçou na menina, foi interceptado pelo terceiro sobrinho, que jogo duro, hem Zé Gomes.
Ele quer ter o controle do jogo, Carlosalberto, mas o time do cunhado é muito bem treinado e retarda bem a partida.
Será que consegue controlar o jogo, Zé Gomes? Estou achando ele meio lento.
Olha, Carlosalberto, com o cunhado plantado na sala, ele vai perder o controle sempre.
Perdeu o controle outra vez, deu meia volta, correu para a cozinha. Falta, está tudo parado... mas o que é isto, Zé Gomes?
A sogra, Carlosalberto, deu o drible da vaca e marcou lugar, e é justamente onde ele mais gosta de ficar, daí deu uma cutucada na costela na velha para não perder a viagem. A danada rosnou mas não revidou, Carlosalberto.
Esta quarentena está sensacional. Mas a sogra, hem!!! Voltou para o quarto, a patroa de costas na cama, de camisolinha solta, pegou no tranco, é agora, rompeu a defesa, é agora, vai mais vai mais vai mais, passou pela marca de penalty, é agora - opa, parou parou parou - deu ruim, hem Zé Gomes....
Carlosalberto, o juiz apitou bem marcado. Foi falta na cunhada. Ela trocou de posição com a patroa enquanto ele perdia o controle para o cunhado e tomava o drible da vaca da sogra, e estava na mesma posição da irmã para conversas extra-campo, que deu uma saidinha rápida para trocar de uniforme e ele não foi avisado, Carlosalberto. Faltou o aviso dos companheiros.
Deu ruim, hem Zé Gomes, a cunhada sentiu a pancada, gemeu, chegou a sogra, confusão na área, a patroa saiu do banheiro, xiiii, rapaz, caiu o robe da velha, que coisa horrorosa. Zé Gomes, que confusão, hem?! Agora a patroa deu uma voadora nele. Caíram os dois, as crianças gritam, a cunhada grita, ele tenta se levantar, o juiz abre a contagem ...
Olha, Carlosalberto, você ainda não está vendo mas o cunhado veio lá da sala, de controle na mão, correu o olho, fez o sinal clássico de calma com as duas mãos e não perdeu o controle.
Mas este cunhado, hem, Zé Gomes!! Artista demais. Ainda deu uma piscadinha para a esposa.
Termina o jogo. Terminou!! Agora só amanhã, ninguém marcou, a jornada segue e a quarentena prossegue, Futebol é aqui. Considerações finais, Zé Gomes.
Olha, Carlosalberto, eu achei que se desse mais um drible, passaria fácil pela cunhada, marcaria o gol e subia na tabela. Mas no final levou um ponto, não importa se foi na testa, esporte é assim mesmo, o importante são os pontos. Mas, aqui prá nós, Carlosalberto, errar de marcação da patroa pela cunhada, não sei, fica para o juiz decidir na próxima pelada, digo, peleja.
Eu também achei que a marcação da cunhada deu mole, até a da patroa é mais pesada, mas diga Zé Gomes, qual foi o melhor jogador em campo hoje?
Olha, Carlosalberto, o cunhado é um artista, dominou o meio campo, manteve o controle na mão e ainda apaziguou os ânimos exaltados, mas para mim a cunhada foi o grande nome do jogo.
Valeu, Zé Gomes, meu voto também vai para a cunhada, que desequilibrou a partida.
Estou tentando ao máximo evitar falar desta pandemia. Talvez por isto o blog tenha dobrado seu número de acessos nas últimas semanas. Não que eu esteja alienado ao processo, pelo contrário, sou mais um entre bilhões envolvido dentro dele, mas o Reino da Pitangueira é um estado monocrático de direito.
Nesta semana que se inicia, teremos um crescimento de manifestação da enfermidade aliado ao crescimento de manifestação de insatisfeitos. Ontem atingiram o ridículo pela primeira vez, em São Paulo. São tão humanos quanto todos os povos do mundo, e a impressão que passam é o medo. Estão com medo de perder bens materiais, perder a liberdade, perder a qualidade de vida que tanto lutaram para conquistar. Eu também estou com medo, mas cada um revela o seu medo da forma que sua personalidade norteia.
Enquanto o povo se divide entre os que tem medo de perder bens materiais e os que tem medo de perder o amor que os envolve, o real poder, de uma maneira generalizada, em todo o mundo, supostamente, se articula para uma nova ordem mundial. Sem conflitos, sem oposição, sem adversidades, aqui e ali parece que estão sendo construídas estruturas que poderão resultar num admirável mundo novo.
E da forma como o teu corpo se movia ao redor do meu
Eu gostava de acreditar que você sabia o que estava fazendo
Que os movimentos bruscos, rápidos e certeiros
Remetiam a algo como certeza, domínio e
qualquer coisa similar ou mesmo igual a segurança.
Eu tenho vergonha
Foi a primeira coisa que você me falou
Eu tenho vergonha de tudo
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Imagine se fosse seguro
Respondi certeira
Neste exato momento eu embarquei
Em direção ao poço sem nome
Porque algumas coisas não tem nome
E outras a gente só não sabe
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Por falar em jantar
Foi lá que eu conheci o menino nômade de oito anos
Que me recitou um poema:
Quando você se afastar,
Faça devagar e suavemente
Faça como se eu estivesse morrendo
No meu sonho em vez da minha vida.
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
As mensagens não paravam de chegar
E o meu medo você viu como charme
Se você se comportar, te levo café da manhã na cama
Você me falou
Você terá que ler a minha autora preferida
Eu te disse
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Enquanto você me apresentava os homens da sua vida
Eu te cobria com os abismos das minhas mulheres
Não espere para ter certeza, mexa-se mexa-se mexa-se
E eu achava que você sabia do que eu estava falando
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Você gosta do amargo.
Você me falou.
Gosto do que se despe e te despe
Independente do sabor.
Eu te respondi.
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Eu te comprei um livro vermelho
Comecei a grifa-lo quase que secretamente
Porque eu sabia que só o entregaria no fim
E vieram os desenhos, as escritas e todo o peso do meu corpo
Era pra você o livro
Depois eu soube que você achava um sacrilégio modificar a obra original
Mas era pra você o livro despido
Cada um pode mudar de opinião a hora que quiser.
Você me falou
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Tua voz é boa, segura. Eu gosto.
Você me falou
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
No poço sem nome
Pude tocar os minutos do teu tempo
Eles pairavam no ar
E o brilho da pausa me desestruturava
Acho que foi isso que me manteve por perto
Dança comigo?
Você me perguntou
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Eu não sei dançar a dois
Respondi
Deixa que eu te conduzo
Você me falou
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Aos vinte e sete anos eu gostava de explicações
Não de entendê-las, mas de possuí-las
Eu não sou bom para explicar as coisas
Você me falou
Mas eu sou boa de entender
Eu respondi.
Eu sou estranho.
Você me falou.
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Por um breve instante eu saí do poço sem nome
E foi sem suavidade e rápido demais que eu te avisei
Isso tem um fim
Não sou homem pela metade
Você me falou
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Tenho problemas em dormir junto
Eu te disse
Tenho aqui uma escova de dente nova
Você me falou
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Você me estendeu um contrato
Um contrato de que eu poderia ir embora
A hora que eu quisesse
Mas que,
Sem dúvidas,
Você protegeria o menino nômade
Mesmo que pra isso tivesse que ir embora antes
E eu grifei no livro vermelho
Sobre os leões que rugem contra Deus
Quando percebem que seus focinhos são iguais.
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Tempo
Tempo é uma coisa que eu não entendo
Mas eu respeito
Só me diga quando
E você se segurou nos teus trinta anos de idade
me garantindo clareza
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
De volta ao poço sem nome
Eu descompassava
Como se aquilo fosse eu
Também quero te ver, acredite.
Você me falou
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Soube de um poema cujo verso dizia:
Que coisa mais linda esse ácido despenteado, caramba.
O ácido é o desoxirribonucleico, DNA ou simplesmente, sangue.
Eu acho o meu sangue vermelho demais.
Eu te disse.
Você me abraçou.
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Eu não acredito nesse fim.
Você me falou.
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
E depois disso eu caí em outro poço
Esse tem nome
E eu sei o nome
Mas não quero falar aqui
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Numa esquina qualquer
No tempo exato
A vida gritou para eu sumir
Eu grifei no livro vermelho:
Não sou de choro fácil.
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Quer ir ao parque?
Eu te perguntei.
Vou num tempo diferente do seu.
Você me respondeu.
E eu perguntei se esse era o fim.
Os cachorros me deram uma direção na vida incrível.
Você me respondeu.
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Num passado próximo
Rebobinando apenas alguns dias
Eu me gravei dançando sozinha pra você
Ao meu lado, uma taça de vinho
Ao seu lado, você escancarou ao mundo, feliz, o encontro de duas
As minhas células ressoaram uma dor intangível
O contrato sempre foi de desapego e eu não te devo nada
Você me falou
E eu entendi que a baleia era eu.
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Então eu abri a porta da memória
E me vi sentada na cama preta
Com o coração acalentado
Ao ver raízes nos seus olhos e excitação
Não tenho pressa em te conhecer.
Você me falou.
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Essas coisas acontecem assim, inesperadamente.
Você me falou
Não se engane, você sabia que havia chegado aos dez.
Eu deveria ter dito.
Eu não sei quantas vezes eu te vi nua
Você me falou
Acho que nenhuma
Eu deveria ter dito.
Não dou chance ao azar.
Você me falou.
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Minha mãe não teve contrações durante a minha gravidez.
É falta de coragem.
O médico falou
Nesses casos específicos, o bebe permanece durante alguns dias a mais no útero.
Durante este tempo, desenvolve um canal ligando o osso que eu não sei o nome que fica no extremo da cabeça com o outro osso que eu não sei o nome e que fica no extremo do calcanhar esquerdo. O canal atravessa o dorso e move a baleia. A falta de coragem é recompensada por um subterfúgio para sentir. E ela sente tudo. Ela é um canal e um canal é sempre atravessado.
I wanna hold your hand
Eu deveria ter dito
Eu prefiro ser a garota
Ou a baleia
Que tem um canal nas costas
E que te escreveu um poema.
Porque eu gostaria de segurar a sua mão, nada mais.
*O poeta, jornalista e cronista português Manuel António Pina nasceu em 1943, no Sabugal, distrito da Guarda, na Beira Alta, e faleceu no dia 19 de Outubro de 2012 no Porto - Portugal.
Tendo licenciado-se em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, foi jornalista do Jornal de Notícias durante três décadas, tendo sido depois cronista do mesmo Jornal de Música e da revista Notícias Magazine.
A obra de Manuel António Pina incidiu principalmente na poesia e na literatura infanto-juvenil embora tenha escrito também diversas peças de teatro e de obras de ficção e crônica. Algumas dessas obras foram adaptadas ao cinema e televisão e editadas em disco.