terça-feira, 14 de abril de 2020

Vovó, o peixe-voador e a labirintite


Vovó Herta era muito séria, nunca a vi sorrir. Seu corpo era feito um cubo mágico. Tinha dois metros de altura, dois metros de largura e dois metros de profundidade. A voz lembrava uma tuba rouca. As mãos davam na medida de uma raquete de tênis. Já vovô era franzino, um metro e sessenta, corpo esguio. Vivia rindo, gesticulando muito, falando manso com sua voz baixa.

Um dia vovô Enzo trouxe da pescaria um peixe enorme. Colocou num carrinho de mão desde a margem do rio e veio carreando. Chegou, pigarreou e deixou na cozinha. Vovó Herta mediu o peixe com os olhos, mediu vovô Enzo com o dedo indicador, mordeu o lábio inferior, tossiu uma tosse forçada e seca e deu de costas perguntando - você vai limpar? - Claro que não, obrigação sua, minha função é abastecer. 

O peixe ficou na mesma posição por 4 dias, até que o cheiro insuportável fez tia Queta abrir uma vala no fundo do quintal e pagar dois meninos para enterrarem o cadáver putrefato.

Dois dias passados, vovô Enzo chega da pescaria com outro peixe maior ainda, também dentro do carrinho. - Está aqui, velha, vê se não faz de boba e limpa este peixe.

Vovó Herta fervia uma panelão de água destinada ao tingimento das roupas de cama, no fogão à lenha. Olhou com rabo de olho, nem titubeou, pegou nas duas alças e já virou mandando a água azul fervente sobre o que estivesse atrás dela. Vovô Enzo saiu um milésimo antes, graças ao seu corpo franzino, mas o peixe ganhou coloração nova. Três dias depois tia Queta repetiu o serviço funerário.

Na semana seguinte vovô Enzo saiu sorrateiramente e trouxe ... exatamente isto, trouxe outro peixe. Entrou confiante na cozinha empurrando o carrinho. - Velha, toma vergonha e limpa este peixe. Mas não a viu à beira do fogão. Sentiu que havia algo errado. Só ouviu o sibilar da corda de sisal e daí para frente tudo se deu em sete segundos.

Vovó Herta, depois de laçar o vovô e correr para ele rapidamente, mantendo um controle firme sobre o laço, rodou varrendo o seu braço direito sob o corpo franzino, fazendo com que ele caísse na vertical.

Segurando o vovô com o braço esquerdo, pegou as pernas dele e rapidamente embrulhou a corda de sisal em torno delas até os pés. Em seguida, já imobilizado, abriu o ventre do peixe no carrinho, deitou vovô sobre aquela sopa de órgãos, vísceras e sangue e levou para o quintal quando pretendia arremessar peixe e pescador, amarrados no carrinho, ao longe. Foi quando tia Queta veio correndo esbaforida, gritando - mãe, mãe, para, para ... papai tem labirintite.

- Como é que é, Queta?
- Abafada e arfando - papai tem labirintite.
- Porca miséria. É verdade! Vai, tira este porqueira daí. Vou tomar um banho...

É isto aí!






Nenhum comentário:

Postar um comentário

Gratidão!