sábado, 19 de junho de 2021

Qual a nossa função? (Informação Incorrecta)

Alto lá
Este texto não é meu
Confesso que copiei e colei
Autor: Max


No longínquo 1972, o autor italiano Franco Battiato (infelizmente desaparecido nas semanas passadas) publicou um álbum com o título de Pollution, que Frank Zappa definiu como “genial”. A última canção do lado B tem um título significativo: Ti sei mai chiesto quale funzione hai?, em bom português “Alguma vez te perguntaste qual função tens?”. Reencaminho a pergunta para os Leitores: alguma vez nos perguntámos qual função temos?

Digo isso porque há alguns dias reparei (não importa como) que a maioria das pessoas nem consegue pôr de lado uns trocos, poupar algo, construir um pé de meia para planear o futuro ou fazer frente a importantes despesas imprevistas. Isso significa que a nossa não é vida mas sobrevivência: trabalha-se para conseguir pagar as contas, as dívidas, os empréstimos, tudo na esperança de que não haja situações delicadas a surgir porque, neste caso, toda a contabilidade precária fica virada de avesso.

Não há dinheiro para comprar um carro, que ainda é o principal meio de transporte, sobretudo fora das grandes cidades. É preciso pedir um empréstimo sob forma de crédito e pagar em 24, 36, 48, 60 prestações com juros não indiferentes (numa altura em que aqui na Europa o custo do dinheiro é negativo).

Um exemplo prático: para adquirir o mais pequeno carro da Toyota, o Aygo x-Play (versão base, tipo quatro rodas-um volante-uns bancos e nada mais) com o asmático motor de 72 cv, é preciso pagar 694 Euros de entrada inicial (o mínimo requerido), mais 48 prestações de 217.78 Euros, mais a super-prestação final de 4.834,40 Euros. Tudo isso perfaz um total de 15.981,84 Euros (contra um preço pronto pagamento de 14.380,00 Euros), com um TAEG (Taxa Anual Efectiva Global) de 7.34%. O que é fantástico considerando, repito, que o custo do dinheiro na Europa é negativo neste momento.

Não há dinheiro para comprar um bem essencial como é a casa. A situação melhora ligeiramente (o TAEG é inferior) no caso dum mútuo para adquirir um imóvel, mas aqui falamos de prestações que deverão ser pagas ao longo dum par de décadas e que incidem de forma bem mais significativa no orçamento familiar.

Também os electrodomésticos são vendidos em prestações e incrivelmente, mas talvez nem tanto, até os smartphones (opinião pessoal: se o Leitor considera um crédito para pagar os smartphone, façam um favor a si próprio e pense seriamente na hipótese do suicídio, não pelo facto de não ter dinheiro mas por pedir num empréstimo para comprar um smartphone…).

O recurso ao crédito é uma boa oportunidade quando o custo do dinheiro for baixo (como é o caso nesta altura) e o montante em causa for elevado, para não reduzir o nosso capital. Mas quando se fala dum automóvel económico ou de bens com valores inferiores, é óbvio que o crédito é utilizado não como operação financeira mas pela simples razão de que na nossa conta não há dinheiro suficiente. Então temos que reflectir e recorrer à pergunta de Battiato: qual a nossa função?

Porque se trabalhar 8 horas por dia, cinco ou sei dias por semana, não é suficiente para adquirir um miserável carro sem recorrer a um empréstimo, para pagar com tranquilidade as nossas contas todas (luz, água, gás, saúde, comida, vestuário, escola dos filhos, taxas e impostos, etc.), para juntar uns trocos que poderão dar jeito no futuro… se trabalhar não dá para isso, então dá para quê?

Na nossa vida o trabalho tem um papel absolutamente preponderante, absorve a maior parte das nossas energias, é motivo de tensão, de preocupações, de conflitos: tudo isso poderia encontrar uma justificação pelo menos perante um vida economicamente satisfatória (não “desafogada” ou “de luxo” mas minimamente satisfatória), mas se o dinheiro fruto do trabalho não consegue proporcionar um mínimo de tranquilidade mesmo ao absorver a maioria das nossas energias, então qual a nossa função? Vive-se com qual objectivo? Apenas trabalhar? A reforma? É este o nosso glorioso programa? Trabalhar até os 65 anos para depois gozar da pensão durante os últimos anos, quando a parte melhor da vida (em saúde, com um longo prazo de projectualidade pela frente) já sumiu? Sempre esperando de não morrer tão cedo, caso contrário nem conseguimos gozar a reforma e o Estado fica com as contribuições todas…

Infelizmente o programa parece ser mesmo este: trabalhar a vida toda, sem conseguir uma nível económico plenamente satisfatório (eis o contínuo recurso ao crédito), parar apenas quando a saúde começa a falhar.

Podemos confortar-nos com o facto de ter sido sempre assim? Acho que não. Para já não sabemos com certeza se sempre foi assim: foi nos últimos três/quatro mil anos e nos Países mais avançados, não nas comunidades mais “primitivas”. Apesar de eu gostar imenso da História, sob vários aspectos não acho que o passado fosse melhor do hoje: no passado morria-se por uma apendicite ou até por causa duma gripe mal tratada, não brinquemos. No passado nem havia o conceito de reforma. Mas, em qualquer caso, o facto de “sempre ter sido assim” não significa que tenha sido e que também será esta a melhor ou a única maneira de viver, sobretudo ao considerar que se alguns aspectos melhoraram com o passar do tempo (a citada saúde, por exemplo), outros pioraram (o tempo dedicado ao trabalho aumentou de forma significativa após a Revolução Industrial).

Pelo que seria preciso ir além de quanto alcançado no passado e no presente. E é aqui que encontramos um grande obstáculo: as duas ideologias mais difundidas hoje em dia, o Capitalismo e o Comunismo, constituem dois lados da mesma moeda, oferecendo um modelo de sociedade centrado no mito da produtividade, portanto no trabalho. E, neste sentido, o projecto representado pelo Grande Reset é mais do mesmo.

Não acham tudo isso curioso? Não acham estranho que qualquer modelo seriamente tido em conta e oferecido às massas implique necessariamente uma sociedade baseada no trabalho qual única viável? Uma sociedade que tem como ponto focal da nossa existência o trabalho? Que exalta o sucesso unicamente conseguido no âmbito do trabalho? Que utiliza o tal sucesso no trabalho para “medir” o grau de sucesso pessoal?

Trabalhar é normal, até os animais fazem isso para sobreviver: a caça, por exemplo, é um trabalho. Mas todos os grandes mamíferos dedicam ao trabalho pouco tempo, gastando boa parte do dia no completo ócio ou, em muitos casos, em actividades recreativas. Que eu me lembre, somos os únicos animais “superiores” que gastam quase metade do dia (temos que considerar também os tempos das deslocações casa-trabalho-casa) no trabalho. Há algo que não bate bem, porque isso significa que a nossa função, neste determinado período histórico, é apenas aquela de trabalhar. E sem que isso permita viver sem preocupações de ordem económica. É o “trabalha, produz, morre” que vi escrito num moro há anos.

Não se fala aqui do objectivo da nossa existência, algo que eventualmente cada um tem que dar-se; é preciso não confundir porque aqui fala-se da função prevista por todos nós no seio da actual sociedade. Pelo que repito a pergunta aos Leitores: qual a nossa função?

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