sexta-feira, 18 de junho de 2021

Que amor é este sem princípios e sem fins?



Não estava sentindo-se muito bem já a alguns dias. Aquilo era terrivelmente chato. Tinha lá suas obrigações pessoais e coletivas para com as cosias sagradas, coisas normais, coisas comuns e coisas malucas que guardava consigo em segredo íntimo. Mas aquele mal estar talvez fosse um pandemônio do Armagedom pessoal.

Nestes momentos, socorrido pelo Lô Borges, pensava em tudo que é possível falar, que servisse apenas para neutralizar a saudade dela, como sinais de bem, desejos vitais ou pequenos fragmentos de luz, falar da cor dos temporais, do céu azul, das flores de abril e pensar além do bem e do mal. Quanta poesia exposta em palavras tão singelas, refletia.

Não estava sentindo seu bem. Talvez a morte fosse a próxima visita. Deu que deu vontade de chorar. Então a vida é isto, receber a morte e se permitir ser levado assim, do nada, com dinheiro guardado no banco esperando alguma oportunidade, a prestação do carro, o aluguel do apartamento, a despensa cheia, a diarista das quintas-feiras, o lavador do carro, a pizza e o sorvete no congelador. 

Ser levado sem dizer adeus ao amor, aquela que se fazia cor, fragmentos de cor, estrada de fazer o sonho acontecer. O amor eterno, meu deusinho dos amores eternos, que amor é este sem princípios e sem fins? De onde veio, para onde foi e quando retornará todo este sentimento?

Pensou na camisa cara que ganhou esperando uma oportunidade para usar, aquela gravata que  o pai deu o nó de gravata Windsor. O pai ... o pai já partiu e nunca mais usou a gravata. Aquela viagem, aquele beijo, aquela tarde, aquele dia, aquela raiva dela. Ouviu passos no corredor. Cada vez mais perto. Cada vez mais perto ...

Correu para o quarto, trancou a porta e ficou no mantra - Pense rápido, pense rápido - e a única coisa que vinha ao comando desta ordem minimalista era Taiguara cantando "Teu sonho não acabou". Palavra por palavra os versos foram se fazendo canção. 

Hoje a minha pele já não tem cor, vivo a minha vida seja onde for, hoje entrei na dança e não vou sair,  vem que eu sou criança e não sei fingir. Eu preciso, eu, preciso de você, ah, eu preciso, eu preciso, eu preciso muito de você ...

Levantou-se, enxugou as lágrimas, abriu a porta do quarto e o som da campainha o trouxe de volta ao mundo ainda real. Trêmulo, dirigiu-se ao seu destino, continuou andando, andando, atravessou o material e o tangível e prosseguiu até ser completamente luz.

É isto aí!

Músicas incidentais:




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