Alto lá
Fonte: Zona da Palavra
Vejam como ainda é eficiente,
como se mantém em forma
o ódio no nosso século.
Com que leveza transpõe altos obstáculos.
Como lhe é fácil – saltar, ultrapassar.
Não é como os outros sentimentos
a um tempo mais velhos e mais novos que ele.
Ele próprio gera as causas
que lhe dão vida.
Se adormece, nunca é um sono eterno.
A insônia não lhe tira as forças; aumenta.
Religião, não religião –
contanto que se ajoelhe para a largada
Pátria, não pátria –
contanto que se ponha a correr.
A Justiça também não se sai mal no começo.
Depois ele já corre sozinho.
O ódio. O ódio.
Seu rosto num esgar
de êxtase amoroso.
Ah, estes outros sentimentos –
fracotes e molengas.
Desde quando a fraternidade pode contar com a multidão?
Alguma vez a compaixão
chegou primeiro à meta?
Quantos a dúvida arrasta consigo?
Só ele, que sabe o que faz, arrasta.
Capaz, esperto, muito trabalhador.
Será preciso dizer quantas canções compôs?
Quantas páginas da história numerou?
Quantos tapetes humanos estendeu
em quantas praças, estádios?
Não nos enganemos:
ele sabe criar a beleza.
São esplêndidos seus clarões na noite escura.
Fantásticos os novelos das explosões na aurora rosada.
Difícil negar o páthos das ruínas
e o humor tosco
da coluna que sobressai vigorosamente sobre elas.
É um mestre do contraste
entre o estrondo e o silêncio,
entre o sangue vermelho e a neve branca.
E acima de tudo nunca o enfada
o tema do torturador impecável
sobre a vítima conspurcada.
Pronto para novas tarefas a cada instante.
Se tem que esperar, espera.
Dizem que é cego. Cego?
Tem a vista aguda de um atirador
e afoito olha o futuro
– só ele.
Minas incertas, sexto dia de junho de 2021
ResponderExcluirCaro Paulo,
Cá estamos nós, sobreviventes e ainda crentes na poesia (talvez seja um dos motivos para a nossa sobrevivência). Não sei se ainda se lembra, mas parece que chegou ao meu blog, há alguns anos, pelos caminhos de Wislawa. Relatou-me, em um momento, que procurava por escritos dessa magnífica mulher e as enigmáticas ondas da internet fizeram o seu barco chegar até o blog. Ainda ontem, quando passeava por aqui vi este poema, enquanto segurava nas mãos uma edição (da Companhia das Letras) dessa iluminada poeta. Achei a coincidência feliz e auspiciosa...
Uma excelente semana, Paulo!
Abraços,
Minas Geraes, Junho deste 2021 inenarrável
ResponderExcluirQuerida Amanda!!!
Não tem como esquecer. Interessante que ao postar, pensei a mesma coisa - foi por esta poetisa que conheci Amanda. Olha só, ela nos apresentou um ao outro, uma Nobel da Literatura. Isto transcende minha imaginação.
Que bom que veio. Os tempos estão difíceis, mas a humanidade ainda há de superar toda esta dor. Mora aqui dentro a esperança.
Você visitar este Reino é motivo de festa e alegria!!!
Um abraço!!!