quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Finais felizes



Adormeceu desejando estar morto na manhã seguinte. Achou que seria uma enorme vantagem, visto que assim teria desculpas sinceras para não assumir um compromisso realizado com pompas diante de dezenas de testemunhas entre parentes, amigos e curiosos. Sentou-se na beirada da cama, em prantos, e implorou, chamou pela morte e nada. Ajoelhou-se no chão, até começar a sentir as dores do contato com o piso. Subiu para a cama, ajoelhou-se sobre o colchão e implorou ao universo que o levasse naquela noite.

Amanheceu convicto do êxito. Ninguém pede para morrer com tanto estilo, refletiu. Demorou mais do que de costume para acordar plenamente. Queria curtir mais um pouco aquela sensação de abrir os olhos e estar cercado por anjos exaltando cânticos, louvores e glórias no melhor estilo gregoriano. Até que sentiu presenças humanas. Podia ouvi-las respirando e emanando calor.

Abriu lentamente os olhos e deparou com sua mãe à sua direita e seu pai à sua esquerda, fitando-o placidamente. Sem mover um músculo, exceto o globo ocular, olhou para um e para outro, navegou os olhos em movimento sincronizado, até que perguntou - vocês também estão mortos?

O pai olhou duro no fundo da sua alma e transferiu o olhar para a mãe, que disse de forma amena, rígida e carinhosa, como só as mães sabem fazer:

- Júnior, hoje é o dia do seu casamento. Você tem que estar no Cartório às dez horas e já passam das oito.

- Então não morri?

Pai olhou para a mãe que olhou para o pai que olharam para o filho com aquela expressão de último aviso. Saíram do quarto e naufragou na realidade. Pegou o celular e ligou para ela. 

- Dinha, tudo bem?

- Juninho, puxa vida, então você também não morreu?

- Por que? Você também desejou morrer?

- De certa forma sim.

- Olha, Dinha, preciso falar que não posso casar hoje.

- Nossa, graças aos deuses sacramentais, minhas preces foram ouvidas, Juninho.

- Sério que você não vai ficar chateada?

- Seríssimo.

- Mas a gente vai continuar, certo?

- Certíssimo!

E viveram felizes para sempre!

É isto aí!

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