A moça da repartição.

Saiu pela porta dos fundos para não ser notado. Desceu a escada seis andares abaixo. Em silêncio, mas gritando com seus pensamentos a moça invadia seu raciocínio ininterruptamente. Chegou à rua, bateu a mão no bolso e deu por falta das chaves do carro. Ameaçou subir e logo refez a ideia. Aquilo seria uma estupidez. Pediria a alguém que o fizesse.

Saiu perambulando sob uma chuva enjoada, sem pressa, mas fria e chata. Fria e chata ... fria e chata ... procurou o maço de cigarros no bolso, e só então ocorreu que não fumava havia dez anos. Em tese parou antes, mas parou muitas vezes até parar para sempre. Pensou em tomar um café na padaria, mas estava sem carteira, sem documentos, sem as chaves, apenas andava num rumo ignorado, de destino certo.

Cogitou retornar, pedir desculpas, falar do tempo, da indelicadeza de ter-se apaixonado por ela, da insensatez de dizer que a amava. Queria fugir de si, fugir dali, fugir do mundo. Estava embriagado de tristeza, e ainda haveria o amanhã. Voltar, vê-la na agência e partir a mágoa.

Absorto em sua dor, a princípio não percebeu uma mão tocar-lhe levemente o ombro por trás. Foi girando o corpo, girando a vida, girando a dor, girando a paixão e ao deparar-se com o vulto da moça da repartição, dona da sua vida. Subitamente abraçou-a e beijou-a longa e demoradamente.  Tocou-lhe a nuca, as costas, remexeu seus cabelos até que deu-se conta de algo estranho.

Rompeu delicadamente o entrelaço dos lábios, abriu os olhos, deu um passo para trás e um par de olhos assustados e felizes agitavam suas chaves e sua carteira. Era a moça que trabalhava no apartamento da amada ... beijaram-se novamente e assim foram felizes para sempre, enquanto durou a estação chuvosa.

É isto aí