quinta-feira, 5 de setembro de 2019

O amor obnubilado


Sentado desde a manhã com as costas tocando suavemente o encosto, o olhar vago, desejara partir para algum lugar onde ela não existisse . Era noitinha e ainda estava ali, só o corpo imóvel, pois a alma vagava pelos umbrais, talvez. Era uma morte de um não sei o que de fim da resistência. Resistiu o quanto pode, mas o amor gritava, gritava, gritava muito no peito, na cabeça, nas pernas, gritava nos braços, o amor gesticulava suas mãos com o nome da moça.

O nome da moça ... da moça linda das coxas lindas, da boca linda, das mãos lindas, dos seios lindos, a moça linda tinha nome, endereço e personalidade, mas a moça estava em outra dimensão, na dimensão dos que aceitam que a vida segue, doendo, doendo, moendo a carne e ferindo todo o interior, onde não fica o vazio da dor, cabe a ferida da dor.

Só o corpo, inerte, e a cabeça sendo testemunha das visões da mente, do racional e do surreal, do lógico e do onírico, do possível e do impossível. Contemplava nas nuvens das ideias, o andar dela, seus braços bailando, suas mãos em poesia, seus pés que não tocavam o chão, seus olhos tristes, ah! seus olhos tristes. Quanta luz havia naquele sedutor olhar triste.

Dali a pouco levantou-se, espreguiçou preguiçosamente sem emitir um único som. Lenta e gradualmente acordava cada músculo, cada ligamento, trazia a ciência do tempo presente ao encontro do seu corpo. De repente, num lance de genialidade, subiu à mesa, bateu o copo na garrafa vazia, chamou a atenção para si, e bradou:

Fica decretado para todos os homens deste planeta que somente àqueles que verdadeiramente amam estão doravante proibidos sumariamente de conjugar o amor e todos os verbos aliados, no Futuro do Pretérito.

Aplaudido em êxtase pela platéia anônima, evocou ar de autoridade gramatical, e de peito estufado marchou rumo ao futuro do presente. 

É isto aí!

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