Autora - Patrícia Travassos
Fonte - Livro "Esse sexo é Feminino!"
Bunda mole, é?
"Belinha acordou as seis, arrumou as crianças, levou-as
para o colégio e voltou para casa a tempo de dar um beijo burocrático em Artur,
o marido, e de trocarem cheques, afazeres e reclamações.
Fez um supermercado rápido, brigou com a empregada que
manchou seu vestido de seda, saiu como sempre apressada, levou uma multa por
estar dirigindo com o celular no ouvido e por estacionar em lugar proibido,
enquanto ia, por um minuto, ao caixa automático tirar dinheiro.
No caminho do trabalho, pensava quando teria tempo de fazer
a unha e pintar o cabelo antes que se transformasse numa mulher grisalha.
Chegando ao escritório, foi quase atropelada por uma gata escultural que,
segundo soube, era a nova contratada da empresa para o cargo que ela, fez de
tudo para pegar, mas que, apesar do currículo excelente e de seus anos de
experiência e dedicação, não conseguiu.
Pensou se abdômen definido contaria ponto, mas logo esqueceu
a gata, porque no meio de uma reunião ligaram do colégio de Clarinha, sua filha
mais nova, dizendo que ela estava com dor de ouvido e febre.
Tentou em vão achar o marido e, como não conseguiu, resolveu
ela mesma ir até o colégio.
Saiu esbaforida e encontrou seu carro com pneu furado.
Pensou em tudo que ainda ia ter que fazer antes de fechar os
olhos e sonhar com um mundo melhor.
Abandonou a droga do carro avariado, pegou um táxi e as
crianças. Quando chegou em casa, descobriu que tinha deixado a pasta com o
relatório que precisava ler para o dia seguinte no escritório!
Telefonou para o celular do marido com a esperança que ele
pudesse pegar os malditos papéis na empresa, mas continuava fora de área.
Tomou banho, deu o jantar para as crianças, fez os deveres
com eles e botou para dormir.
Artur chegou puto de uma reunião em São Paulo, reclamando de
tudo. Jantaram em silêncio.
Na cama, ela leu algumas folhas de um livro e começou a
cabecear de sono. Artur a acordou todo assanhado, a fim de jogo. Como aqueles
momentos estavam cada vez mais raros no casamento deles, ela resolveu fazer um
último esforço de reportagem e transar.
Após uma 'meio mais ou menos', quando estava quase pegando
no sono de novo, sentiu uma apalpadinha no seu traseiro com o seguinte
comentário:
- Tá ficando com a bundinha mole, Belinha... Deixe de ser
preguiçosa e comece a se cuidar...
Belinha olhou para o abajur de metal e se imaginou
martelando a cabeça de Artur até ver seus miolos espalhados pelo travesseiro!
Em seguida usou a técnica que aprendeu num livro de
autoajuda: Como controlar as emoções negativas...
Respirou três vezes profundamente, mentalizando a cor azul,
e ponderou. 'Não ia valer a pena, não estamos nos EUA, não conseguiria uma
advogada feminista caríssima que fizesse sua defesa alegando que assassinou o
marido, cega de tensão pré-menstrual...'
Resolveu agir com sabedoria.
No dia seguinte, não levou as crianças ao colégio, não fez
um supermercado rápido, nem brigou com a empregada. Foi para uma academia e
malhou duas horas.
De lá foi para o cabeleireiro pintar os cabelos de acaju e
as unhas de vermelho.
Enquanto se hospedava num spa, ouviu o marido desesperado
tentar localiza-lá pelo celular e descobrir por que ela havia sumido.
Pacientemente não atendeu. E, como vingança é um prato que
se come frio, mandou um recado lacônico para a caixa postal dele:
- A bunda ainda está mole. Só volto quando estiver dura. Um
beijo da preguiçosa..."
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