Sinto minha falta. Minhas pernas peraltas correndo sem cansar, meu sono tranquilo, meu quarto imenso, minha vida imensa, o quintal imenso, e uma imaginação infinita. Cada vez que olho para trás e vou sumindo, dizendo adeus e misteriosamente até breve, vou ficando mais só. Estamos indo um de encontro ao outro.
Sinto a falta das tardes longas e preguiçosas, o futebol na rua, o rádio com chiados em suas válvulas imensas. Os cadernos com orelhas sujas de folheados rápidos. O Hino Nacional na escola, os amigos que nunca mais vi. Sinto muita falta de mim.
O córrego, as pernas impossíveis e desejadas das moças mais velhas, as manhãs de outono, as chuvas de setembro. A professora rígida, o pão quentinho com manteiga. A rua em poeira, a bola de gude, as bolas de meia. As meias femininas nas pernas com costura posterior, em um fetiche único.
Sinto minha falta na casa da minha avó, nas conversas sem fim e sem começo. Sinta tanta falta de mim, que há um espaço enorme nesta manifestação neuro-sensorial. Onde estava neste hiato temporal? Tudo passa tão rápido, passei tão rápido, as oportunidades, os amores, as despedidas e os encontros.
Sinto a falta de sonhar, de ter coisas importantes para o futuro, de ouvir a Rádio MEC em um imenso rádio com válvulas. Estou só, só dentro de mim, eu acho - aquele menino que queria ser um tanto de coisa no mundo não está mais aqui. Faz falta, faz uma falta ou tantas quantas forem as faltas.
Sinto falta das castanheiras, das serrarias na rua descalça, nos livros do Tom Sawyer lidos em viagens alucinantes. Da Ilha do Tesouro, do deleite ao ler O Cortiço. Não faltaram aventuras, faltou tempo para vivê-las mais intensamente.
Sinto falta de coisas que nunca fiz como tocar violão, cantar afinado, dançar, nadar, mas sinto estas coisas em mim, os desafios pulsantes. Meus cadernos, meus segredos tão meus, tanto tempo guardados e esquecidos em alguma gaveta hermética da memória. De tudo sinto falta.
É isto aí!
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