Odete é a aeromoça em solo da aviação paranoá. Serve distintos cavalheiros em voos mais instigantes e menos perigosos. Não gosta de tocar no assunto, mas já foi condecorada com aquela medalhinha dos audazes pilotos da aviação. Motivo? Odete dispensa motivos - é o próprio avião.
Ligou-me nesta manhã que antecede ao movimento golpista de Primeiro de Abril, cuja data foi antecipada para não se tornar piada pronta nos salões de moças recatadas e nos bordéis de nobres cidadãos do bem. A voz aveludada escondia a tensão por detrás daquela suavidade hipnótica.
- Olá querido!! Abandonou sua aeromoça em plena decolagem?
- Olá Odete, nada disto, estou como um paraquedas em sua segurança.
- Ah, está bem! Vou anotar esta para cobrar depois, mas gostei da sua crise de ciúmes para me apresentar aos seus amigos.
- Como assim Odete? Ciúmes de você? De onde tirou isto?
- Tem coisas que só uma mulher percebe meu bem. Você omitiu informações que constam do original da minha história.
- Ora, vá lá, Odete, aquilo foi uma sinopse!
- Sinopse, amor? Me engana que gosto! Falou que ele era descendente de franceses, e omitiu que ele era francês, e por isto ficou detido não sessenta, mas noventa dias em Brasília por que foi supostamente confundido por um dos dirigentes do Partido Comunista Francês, pelo fato de que não portava nenhum documento, e a denúncia veio de um político lotado no Congresso Nacional, que com isto favoreceu uma empresa concorrente de São Paulo.
- Ninguém reparou nisto, querida!
- Mas eu sei que aconteceu assim. E não era uma garota de programa como você insinuou, era uma menina normal que estava em um evento chato, numa cidade onde não ocorria nada de interessante para fazermos. E na verdade ele foi a primeira pessoa para quem me entreguei na vida, se isto te interessa.
- Então é por isto que andou sumida estes dias...
- Claro, o golpe militar é uma amarga lembrança para mim. Conheci e perdi o grande amor da minha vida em função dele.
- Tudo bem, Odete, não acontecerá de novo.
- Espero que não, querido. Espero que não. - Sabe o que é pior em um golpe militar? Ele rouba sonhos!
- Valeu Odete, hoje vou refletir sobre isto.
É isto aí!
É isto aí!
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