O agente secreto Ronald, John Ronald, foi chamado às tres horas e quinze minutos de uma fria madrugada londrina a um sinistro endereço, já conhecido de outras reuniões com os contatos internacionais da Central de Inteligência Européia. Entrou pelo portão lateral após minuciosa revista, identificação e confirmação da presença, e foi levado à uma pequena sala sem janelas, fracamente iluminada e com uma vitoriana mesa com quatro cadeiras.
Entraram três senhores, sobretudo e luvas de lã negra, chapéu coco e óculos grossos, e sem nenhum comentário, entregaram-lhe um dossiê. Despediram e partiram. Acostumado a estes rituais, aguardou um telefonema. O celular tocou e uma voz grave mandou determinou que fosse para um Bentley Mulsanne cinza-chumbo, estacionado no pátio interno do casarão. Ao entrar no veículo, deparou com uma mulher de rara e estonteante beleza, séria, enigmática e vestida com conjunto vermelho, sendo a saia no formato de tulipa, valorizando todas as suas curvas, deixando sua graciosas coxas em aparente sedução.
Enquanto o motorista manobrava para sair, deu-se o diálogo, quebrando o silêncio da noite.
- Agente Ronald, prefere continuar olhando minhas coxas ou vamos começar a trabalhar?
- Desculpe, mas ainda não fomos apresentados.
- Sou a Major Heigl, Marie Heigl, da Royal M18.
- Royal M18? Santo Deus, isto é sério, então!
- Agente Ronald, por favor, não temos tempo. O Dossiê que está em suas mãos não contém cópia, não está salvo em nenhum computador e possui todas as informações pessoais, profissionais, econômicas e governamentais de altas personalidades do sistema bancário mundial. A princípio todos suicidaram, e sua missão será entregá-lo ao Agente Red Sun, que o encaminhará para a Agência Matrix obter informações que possam chegar a um senso comum:
01 - No dia 10 de Junho de 2013 o Sr. Daniel suicidou em Berna, na Suiça.
02 - No dia 23 de Dezembro de 2013 o Sr. Robert suicidou em New York.
03 - No dia 23 de Julho de 2013, o Sr, Carsten suicidou por enforcamento, na Suiça.
04 - No dia 26 de Agosto de 2013 o Sr.Pierre enforca-se em casa, em Zurique, também na Suiça.
05 - No dia 19 de Janeiro de 2014 o Sr. Tim teve uma morte súbita por causa desconhecida, em Londres.
06 - No dia 26 de Janeiro de 2014, o Sr. William suicidou por enforcamento em Londres.
07 - No dia 27 de Janeiro de 2014, o Sr. Gabriel suicidou em um salto mortal de mais de 30 andares da sede da empresa onde trabalhava, em Londres.
08 - No dia 29 de Janeiro de 2014, o Sr. Mike suicidou em um penhasco no estado de Washington - USA.
09 - No dia 06 de Fevereiro de 2014, o Sr. Richard suicidou com um pistola de pregos, no Colorado-USA.
10 - No dia 12 de Fevereiro de 2014, O Sr. Morgan teve uma morte súbita por causa desconhecida, em New York-USA.
11 - No dia 18 de Fevereiro de 2014, O Sr. Li J. suicidou com um salto da pequena janela do 30º andar em Hong-Kong.
O carro parou, e deu uma última olhada nas coxas da Major antes de descer. Estava em frente a uma cabine telefônica. Atendeu ao terceiro toque - outra voz, com um forte sotaque escocês determinou que entrasse no táxi. Desligou e ao olhar para a rua, o automóvel já estacionava. Entrou e o silêncio permaneceu por cerca de meia hora até o final da corrida, tempo mais que suficiente para colocar um envelope dentro do forro da porta esquerda do passageiro. E seguiram para Notting Hill, no mercado de Portobello Road.
Uma moça de etnia oriental, de batom dourado e roupa de couro justa ao corpo, debaixo de um grosso casaco, abriu a porta. Enquanto saia, ela entrou rapidamente, promovendo um rápido encontro. Foi andando devagar, com o Dossiê dentro do sobretudo marrom, observando aquelas filas de casas geminadas, algumas coloridas, que são a
cara de Notting Hill. Pela primeira vez sentiu-se observado. Não gostou de saber da possibilidade.
Ao chegar no cruzamento com a Chepstow Villas, onde começa a feira de antiguidades, viu um homem em uma barraquinha cheia de bules e xícaras de chá fazer-lhe um sinal secreto imperceptível, que consistia em coçar a testa levemente com o dedo mínimo da mão esquerda. Não era um sinal qualquer, era um alerta de que algo deu errado. Seu contato não estava mais ali. Agora estava sozinho correndo contra o tempo.
Continuou a descer a rua, agora passando pelas barracas de alimentos, já lotadas pelo avanço da hora daquele sábado frio. Outra vez a sensação de ser observado e desta vez seguido. Já quase debaixo do viaduto Westway, uma moça que escolhia peças em uma estranha barraca, entre bugigangas em geral perguntou-lhe as horas. Agora sabia que a situação era de risco iminente de morte. Questão de horas. Andou devagar e mais poucos passos chegou ao final da feira.
Chegar até o final do mercado foi tenso. Caminhou lentamente para pegar o metrô na estação
Ladbroke Grove, sem olhar para trás e nem para os lados. Ao entrar no metrô sentiu uma fisgada abaixo da costela esquerda, e acordou em um ambiente estranho, sujo, em algum lugar desconhecido. Usava uma roupa surrada de mendigo, com botas sem meias. A cabeça doía e latejava, o corpo estava como hematomas em várias partes. Além disto estava visivelmente com as roupas urinadas.
Percebeu que sangrava na boca, e tinha dois ou três marcas de arranhado nos braços. Tentou se levantar e caiu novamente. Desacordou. Acordou com frio e fraqueza. Havia um beagle lambendo seu rosto. Trêmulo, olhou para os sapatos de um homem, que o manteve deitado, com a sola por sobre sua cabeça. Outra pessoa colocou ao seu lado pão, café, leite, água e dois jornais londrinos. Saíram. Desacordou até a tarde. Percebeu que não tivera um sonho, os alimentos e os jornais estavam lá.
Comeu devagar, e aos poucos foi sentindo-se melhor. Levantou segurando em uma cadeira, e deu-se conta que estava em um apartamento abandonado. Chegou à janela e identificou a região com sendo Brixton, ao sul de Londres.
Tomou banho, sentou-se, comeu o resto do pão, bebeu o último gole do café, e só aí lembrou dos jornais. Pegou o primeiro e viu sua foto estampada em meia página. Assustou-se. Em letras garrafais o enunciado:
"Serviço Secreto identifica e elimina o homem suspeito de matar 11 pessoas do sistema bancário internacional."
Pegou o outro jornal, a mesma foto e o mesmo enunciado. O texto dizia que fora surpreendido ao tentar assassinar mais uma vítima, do alto escalão do maior banco britânico. E conta detalhes da sua vida, etc. e tal.
Tinha que sair dali, mas para onde? Lembrou de uma ex-namorada caribenha que morava em um porão da Benedict, uns dois ou três quarteirões adiante. Como chegar lá? Com certeza estava sendo monitorado. Procurou e achou micro-localizadores na roupa que usava. Por que não o mataram? Por que foi poupado? Muitas perguntas, mas o tempo e a fome apertavam.
Ao sair, dois agentes da Policia Metropolitana o detiveram por assalto a mão armada na padaria da esquina. Levado sem esboçar reação, foi identificado como o homem que realizou o delito a cerca de uma hora. Levado à delegacia, ficou detido até a manhã seguinte, quando um advogado o liberou com ordem judicial.
Entraram em um discreto minicab, que seguiu até Brentwood, deixando-os em uma estrada vicinal cerca de três quilômetros antes da cidade. Ali andaram mais uns vinte minutos, e o advogado o conduziu para um automóvel estacionado no canto da estrada. Seguiram por mais uma hora até chegarem em uma típica casa de campo britânica.
Ronald desceu e o misterioso personagem partiu para o caminho de onde vieram. Caminhou com certa dificuldade, com dores e frio, até entrar na casa. Com a fraqueza, sua capacidade de percepção comprometida e cansado, seguiu para o segundo andar, onde encontrou um belo quarto arrumado, roupas limpas sobre a cama e um banheiro com água quente.
Desceu, acendeu as luzes e dirigiu-se à cozinha, quando a sensação de ter alguém vigiando-o alarmou seu instinto de defesa. Mas a fome era maior. Havia uma farta mesa, com carnes, massas e vinho. Sentou-se e quando começou a comer, levantou os olhos e deparou com a Major Heigl, sentada confortavelmente na poltrona, em um delirante vestido verde.
- Parabéns, sr. Ronald! Tudo está onde deveria. Adeus!
- Adeus, Major Heigl! Mas, espere...
- Sim?
- Fica para o jantar...
- Achei que nunca iria convidar, Agente Ronald.
- Ronald, só Ronald.
É isto aí!
É isto aí!
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