Mais de 500 famílias são despejadas por dia na Espanha
Órgão estima que, até o final do ano, mais de 180 mil famílias serão expulsas de suas casas
Em meio à crise econômica que assola a Espanha, mais de 500
famílias são despejadas a cada dia no país por não pagar aluguel ou prestações
do financiamento imobiliário.
Desde 2008, já foram quase 400 mil execuções hipotecárias.
Somente no primeiro trimestre deste ano, o Conselho Geral do Poder Judiciário
(CGPJ), órgão do governo, registrou 46.559 despejos. Por dia, 517 famílias
foram despejadas suas casas por inadimplência.
A Plataforma dos Afetados pela Hipoteca (PAH), entidade
criada para chamar atenção para o problema, estima que, neste ritmo, o país
terminará 2012 com mais de 180 mil famílias despejadas.
Ada Colau, ativista do direito à moradia e uma das
fundadoras da PAH, critica que a legislação ampare as entidades bancárias, mas
não os cidadãos que perdem o emprego e não podem pagar o empréstimo.
Ela afirma que, na época do boom imobiliário, o governo
"facilitou o crédito de maneira irresponsável" e, agora, anuncia
cortes em gastos com educação e saúde, enquanto resgata a entidades bancárias.
A PAH reúne assinaturas para uma iniciativa legislativa
popular, na qual propõe, entre outras coisas, a paralisação dos despejos
durante a crise e a destinação de residências desocupadas para o aluguel
social. "É preciso tratar a moradia como um direito."
De bolha imobiliária a casas vazias
Entre 1997 e 2007, construíram-se 390 mil moradias por ano
na Espanha, e os preços dos imóveis aumentaram em 200%. Hoje, sobram casas
vazias.
Segundo dado preliminar do Instituto Nacional de
Estatísticas (INE) para o Censo deste ano, entre 5 milhões e 6 milhões de
moradias no país estariam vazias, o que representa 20% do estoque imobiliário
residencial.
A Catalunha é uma das comunidades autônomas mais atingidas
pela crise imobiliária, onde são realizados 20% dos despejos do país, segundo o
CGPJ.
Em ações coletivas da PAH, famílias que perderam
judicialmente seus imóveis ocuparam quatro edifícios vazios embargados por
bancos na Catalunha.
Ocupação
Um edifício da rua Pompeu Fabra, em Terrassa (a 23 km de
Barcelona), está ocupado por 11 famílias desde dezembro passado.
A ocupação foi uma forma de chamar a atenção das autoridades
para que pressionem as entidades bancárias e também a única saída para que
essas famílias tivessem um teto, ainda que provisório.
É o que explica José Arturo Ramírez, 44 anos, soldador
desempregado há quatro anos, que ocupa um dos apartamentos com a mulher, dois
filhos, o genro e o neto.
Ramírez é uma das vítimas do setor mais castigado nesta
crise econômica, o da construção civil. "Ninguém tinha ideia de que
terminaria assim, mas os bancos, sim, sabiam. Era muito fácil conseguir um
financiamento", lembra.
O soldador devolveu o imóvel, mas não quitou completamente a
dívida. O apartamento que pertenceu a ele, hoje, continua vazio. "Queremos
o diálogo com o governo e com as entidades bancárias."
Em meio às dificuldades, Ramírez evita fazer planos para o
futuro. "Pensei em tirar minha própria vida. Hoje, sigo o conselho do meu
médico e vivo cada dia. Se eu desmorono, quem me levanta?"
No mesmo edifício ocupado, vive Soraya Urbano Oviedo, 31
anos, junto com o marido e os dois filhos. Quando ficou desempregada e o marido
teve de fechar o negócio por causa da crise, propuseram ao banco um
refinanciamento da dívida.
"A resposta foi que, se não pagássemos, nos tirariam a
casa."
Seu antigo apartamento também continua vazio. "Eu o
vejo diariamente. Me dá muita pena, está se deteriorando. Tenho vontade de
entrar lá", confessa. "Não sei se voltaria a 'ocupar'. Não é o que
quero para os meus filhos."
Soraya e Ramírez são uns dos poucos que conseguiram o perdão
de parte da hipoteca. A maioria não consegue, como Montserrat Colomer, 34 anos,
operária.
O apartamento onde mora já foi leiloado em 2010 e ela pode
receber um novo aviso de despejo a qualquer momento. "Se me tiram da minha
casa, vou 'ocupar' outra, porque meus três filhos não ficarão na rua e ninguém
vai tirá-los de mim", avisa.
O dia da entrevista à BBC Brasil era aniversário do filho de
5 anos. Não houve festa, nem bolo. O próximo salário de Montserrat está
reservado para comprar os livros da escola.
Mais pobreza
A Cáritas, confederação oficial das entidades católicas de
caridade, registrou um aumento de 174,2% de pessoas atendidas de 2007 a 2011
nos serviços de acolhida e assistência, 3,5 vezes superior que há dez anos.
A entidade passou a oferecer no ano passado serviços de
mediação de moradias, e 26% dos gastos em ajudas econômicas são destinados a
moradia, atrás somente das demandas por alimentos (39%).
Segundo um estudo da Cáritas, a pobreza é um fenômeno que
nos últimos anos se tornou mais extenso, mais intenso e mais crônico no país.
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