Palavras iniciais sobre Etienne de La Boétie
Etienne de La Boétie morreu aos 33 anos de idade, em 1563.
Deixou sonetos, traduções de Xenofonte e Plutarco e o Discurso Sobre a Servidão
Voluntária, o primeiro e um dos mais vibrantes hinos à liberdade dentre os que
já se escreveram.
Toda a sua
obra ficou como legado ao filósofo Montaigne (1533 – 1592), seu amigo pessoal
que, diante de uma primeira publicação – pirata – do Discurso em 1571, viu-se
obrigado a se pronunciar a respeito da Obra, que procura minimizar em seus
efeitos apodando-lhe o epíteto de “obra de infância” e “mero exercício
intelectual”. Montaigne, com todo o seu inegável brilho intelectual, era um
Homem do Estado e disso não escapava.
Entre muitos
pontos importantes e relevantes do Discurso em si, ressalta-se:
_ O poder que um só homem exerce sobre os outros é
ilegítimo.
_ A preferência pela república em detrimento da monarquia.
_ As crenças religiosas são frequentemente usadas pelas
monarquias para manter o povo sob sujeição e jugo.
_ Etienne de La Boétie afirma no Discurso que a liberdade e a
igualdade de todos os homens está na dimensão política.
_ Evidencia, pela primeira vez na história, a força da
opinião pública.
_ Repele todas as formas de demagogia.
_ Incursionando pioneiramente pelo que mais tarde ficará
conhecido como psicologia de massas, informa da irracionalidade da servidão,
desde o título provocativo da Obra, indicada como uma espécie de vício, de
doença coletiva.
O Discurso,
que no século XVI Montaigne considerava difícil prefaciar, hoje em dia é ainda
tristemente atual.
O ser humano
encontra-se em amarras auto-infligidas por toda a parte. Como dizia Manuel J.
Gomes, importante tradutor de La Boétie para o português:
“Se em 1600
era tarefa difícil escrever um prefácio a La Boétie, hoje não é mais fácil.
Hoje como nos tempos de La Boétie e Montaigne, a alienação é demasiado doce
(como um refrigerante) e a liberdade demasiado amarga, porque está demasiado
próxima da solidão. E da loucura.”
Discurso sobre a servidão voluntária:
É incrível como o povo, logo após ter sido subjugado, cai
rapidamente num esquecimento da liberdade tão profundo que nem é possível que
acorde para obtê-la de volta, mas serve de forma tão sincera e de tão boa
vontade que, ao vê-lo, parece não ter perdido a liberdade mas ganho a servidão.
[ ...]
É verdade que, num primeiro momento, serve-se porque
forçados e vencidos pela força, mas aqueles que virem depois servem sem
arrependimentos e fazem de bom grado o que os seus antecessores haviam feito
com a força.
É assim que os homens nascidos sob o jugo e, em seguida,
criados e educados na servidão, sem já olhar para a frente, contentam-se em
viver como nasceram e não pensam em ter outro bem nem outro direito exceto
aquele que receberam, e assumem como natural a condição do nascimento deles. [
...]
Assim, apesar da natureza humana ser livre, o hábito tem
sobre os indivíduos efeitos maiores do que não a natureza dele, e por isso
aceitam a servidão pois sempre foram educados como escravos: "A natureza
do homem é o direito de ser livre e querê-lo ser, mas a sua atitude é tal que
naturalmente preserva a inclinação que lhe dá a educação".
Os teatros, os jogos, as farsas, os espetáculos, os gladiadores
, as feras exóticas, as medalhas e outras distrações semelhantes pouco sérias
eram para os povos antigos a isca da servidão, o preço da sua liberdade, os
instrumentos da tirania.
Estes eram os métodos, as práticas que usavam os tiranos
antigos para adormecer os seus súditos sob o jugo.
Assim, os povos, estupidificados, achando bonitos aqueles
passatempos, apreciando um prazer vão que passava na frente dos seus olhos,
adaptavam-se a servir mais normalmente das crianças que, observando as imagens
brilhantes dos livros ilustrados, aprendem a ler. [...]
Queria só ser capaz de entender porque tantos homens, tantas
vilas e cidades, por vezes tantas nações, têm um tirano que não tem nenhuma
força exceto aquela que lhe for dada, não tem poder para prejudicar a não ser
que ele seja tolerado. Onde ele foi capaz de encontrar tantos olhos que espiam
se não foram vocês que lhe forneceram? Como pode ele ter tantas mãos para
apanhar-vos se não foi de vocês que as
recebeu? Portanto, sejam determinados a não servir mais e estarão livres.
Discours sur la servitude volontaire
("Discurso sobre a servidão voluntária")
Étienne de La Boétie
Ano 1549 d.C.
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