quinta-feira, 10 de abril de 2014

Discurso sobre a servidão voluntária


Palavras iniciais sobre Etienne de La Boétie
  
Etienne de La Boétie morreu aos 33 anos de idade, em 1563. Deixou sonetos, traduções de Xenofonte e Plutarco e o Discurso Sobre a Servidão Voluntária, o primeiro e um dos mais vibrantes hinos à liberdade dentre os que já se escreveram.

         Toda a sua obra ficou como legado ao filósofo Montaigne (1533 – 1592), seu amigo pessoal que, diante de uma primeira publicação – pirata – do Discurso em 1571, viu-se obrigado a se pronunciar a respeito da Obra, que procura minimizar em seus efeitos apodando-lhe o epíteto de “obra de infância” e “mero exercício intelectual”. Montaigne, com todo o seu inegável brilho intelectual, era um Homem do Estado e disso não escapava.

         Entre muitos pontos importantes e relevantes do Discurso em si, ressalta-se:

_ O poder que um só homem exerce sobre os outros é ilegítimo.

_ A preferência pela república em detrimento da monarquia.

_ As crenças religiosas são frequentemente usadas pelas monarquias para manter o povo sob sujeição e jugo.

_ Etienne de La Boétie afirma no Discurso que a liberdade e a igualdade de todos os homens está na dimensão política.

_ Evidencia, pela primeira vez na história, a força da opinião pública.

_ Repele todas as formas de demagogia.

_ Incursionando pioneiramente pelo que mais tarde ficará conhecido como psicologia de massas, informa da irracionalidade da servidão, desde o título provocativo da Obra, indicada como uma espécie de vício, de doença coletiva.

         O Discurso, que no século XVI Montaigne considerava difícil prefaciar, hoje em dia é ainda tristemente atual.

         O ser humano encontra-se em amarras auto-infligidas por toda a parte. Como dizia Manuel J. Gomes, importante tradutor de La Boétie para o português:

         “Se em 1600 era tarefa difícil escrever um prefácio a La Boétie, hoje não é mais fácil. Hoje como nos tempos de La Boétie e Montaigne, a alienação é demasiado doce (como um refrigerante) e a liberdade demasiado amarga, porque está demasiado próxima da solidão. E da loucura.”

Discurso sobre a servidão voluntária:

É incrível como o povo, logo após ter sido subjugado, cai rapidamente num esquecimento da liberdade tão profundo que nem é possível que acorde para obtê-la de volta, mas serve de forma tão sincera e de tão boa vontade que, ao vê-lo, parece não ter perdido a liberdade mas ganho a servidão. [ ...]

É verdade que, num primeiro momento, serve-se porque forçados e vencidos pela força, mas aqueles que virem depois servem sem arrependimentos e fazem de bom grado o que os seus antecessores haviam feito com a força.

É assim que os homens nascidos sob o jugo e, em seguida, criados e educados na servidão, sem já olhar para a frente, contentam-se em viver como nasceram e não pensam em ter outro bem nem outro direito exceto aquele que receberam, e assumem como natural a condição do nascimento deles. [ ...]

Assim, apesar da natureza humana ser livre, o hábito tem sobre os indivíduos efeitos maiores do que não a natureza dele, e por isso aceitam a servidão pois sempre foram educados como escravos: "A natureza do homem é o direito de ser livre e querê-lo ser, mas a sua atitude é tal que naturalmente preserva a inclinação que lhe dá a educação".

Os teatros, os jogos, as farsas, os espetáculos, os gladiadores , as feras exóticas, as medalhas e outras distrações semelhantes pouco sérias eram para os povos antigos a isca da servidão, o preço da sua liberdade, os instrumentos da tirania.

Estes eram os métodos, as práticas que usavam os tiranos antigos para adormecer os seus súditos sob o jugo.

Assim, os povos, estupidificados, achando bonitos aqueles passatempos, apreciando um prazer vão que passava na frente dos seus olhos, adaptavam-se a servir mais normalmente das crianças que, observando as imagens brilhantes dos livros ilustrados, aprendem a ler. [...]

Queria só ser capaz de entender porque tantos homens, tantas vilas e cidades, por vezes tantas nações, têm um tirano que não tem nenhuma força exceto aquela que lhe for dada, não tem poder para prejudicar a não ser que ele seja tolerado. Onde ele foi capaz de encontrar tantos olhos que espiam se não foram vocês que lhe forneceram? Como pode ele ter tantas mãos para apanhar-vos se não foi de vocês  que as recebeu? Portanto, sejam determinados a não servir mais e estarão livres.


Discours sur la servitude volontaire
("Discurso sobre a servidão voluntária")
Étienne de La Boétie

Ano 1549 d.C.

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