No "Templo Cósmico da Conexão Salvífica dos Homens de Bem" exercia com louvor a função de Apóstola Ascendente. Sua mãe ocupava o terceiro grau no grupo das Profetizas da Exortação e o pai era Mestre do Quinto Elemento do Ministério Divino.
Mahra também era uma das moças mais caladas e dedicadas da escola. Enquanto as meninas fumavam escondido e falavam de sexo, mediam seios e coxas e profanavam vulgaridades; seus ouvido afinados desligavam daquele mundo e seguiam para a meditação do Paraíso, ouvindo valsas vienenses que libertavam a alma, conforme aprendeu com um Diácono da Coluna de Antioquia, uma das três colunas da base de sustentação da sua fé.
Uma vez por ano havia, no cenáculo do Templo, o teatro da ressurreição. Era uma semana de delírio, escatologia e êxtase entre os membros. Naquele ano Mahra seria Salomé. A princípio ficou temerária - afinal representar uma pecadora, mundana, objeto da luxúria e do prazer carnal, tudo isto fez estremecer seu corpinho santo e imaculado. Para fazer a cena com maior realismo, conversou com presbíteros, ministros e os membros da Coluna. Ouviu mestres e profetizas. Queria fazer valer sua dança simbólica e sua curta fala.
Teve a ideia de perguntar sobre a personagem ao professor de História da escola, que não só indicou, como presenteou-a, sem nenhuma restrição ou maldade, com o DVD de Salomé, uma ópera de Richard Strauss em único ato, com libreto de
Hedwig Lachmann, baseado na peça de mesmo nome de Oscar Wilde.
A moça assistiu-a uma primeira vez e escandalizou-se. Assistiu outra e ficou chocada. Na terceira começou a sentir algo estranho, na quarta perdoou Salomé, na quinta queria ser a atriz, na sexta personificou a protagonista. Passou a sentir dentro de si a imagem da mulher majestosa e triunfante, misteriosa e enigmática, sedutora
e fatal. Sentia-se a figura da sedutora esfíngica, dominante e gostosa.
Assistiu dezenas de vezes, chorava, tremia, arrepiava, sentia o desejo intrépido de um homem a deseja-la e outro a morrer pelo seu amor. Estava tomada pela pulsão sexual de tal ordem ligada à cabeça de João Batista, que se locupletava através da fantasia em beijar sua boca virtual, permanecendo assim sob o domínio exclusivo do
princípio imaginário de prazer, sem levar em conta a realidade do teatro.
Na peça, chegou atrasada e eufórica, entrou em cena com o coração acelerado, e o que era para ser simbólico, transformou-se no maior espetáculo pecaminoso da história do "Templo Cósmico da Conexão Salvífica dos Homens de Bem". Salomé dançou eroticamente retirando os sete véus em gestão orgásmica, e semi-nua pediu a cabeça de João. O rapazinho que deveria entrar com a bandeja com a cabeça de um boneco, ensanguentada, tremia sem controle. Salomé, ao recebe-la, pegou a cabeça, beijou-lhe a boca e cobriu-se com o seu sangue artístico. A platéia dos fiéis ficou em silêncio estarrecedor.
Gemendo no palco, roçando a língua no seu objeto de desejo, sussurrou: "Salomé está em todas as mulheres e todas as mulheres estão em Salomé."
Gritaria geral, correria, mulheres chorando, homens em estado de choque, uns sendo empurrados pelos outros e todos correram para fora. E na solidão do cenáculo, Salomé gargalhou até o gozo total de Mahra.
É isto aí!
Fonte da fotografia: http://www.localflavormagazine.com/salome-at-santa-fe-opera/
Salomé (Nancy Shade) recebeu sua recompensa de Herodes: a cabeça de Jokanaan. Da produção da Ópera de Santa Fé, em 1976, de Richard Strauss, "Salome".
Fonte da fotografia: http://www.localflavormagazine.com/salome-at-santa-fe-opera/
Salomé (Nancy Shade) recebeu sua recompensa de Herodes: a cabeça de Jokanaan. Da produção da Ópera de Santa Fé, em 1976, de Richard Strauss, "Salome".
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