quarta-feira, 23 de abril de 2014

Adam West III

continuação - 3ª parte

Refazendo da sua crise existencial, e em busca da identificação com a penitência do Arcanjo, experimentou um encontro onírico com dois seres angelicais. Encontrou-os em um exótico campo de golfe. Acordou com a certeza de que deveria ir a Paris e aguardar novas instruções. O instinto dizia que tudo acontecera de fato. Não teve dúvidas. Rumou para a Cidade Luz.

Chegou em uma tarde de início de primavera, ainda fria. Onde ir? Resolveu que o destino encarregaria desta parte. Entrou no táxi e pediu para levá-lo a um bom hotel. O chofer deixou-o à porta Hotel Claude Bernard, no coração do Quartier Latin, na Rue des Ecoles, estrategicamente localizado no centro turístico e intelectual da velha cidade.

Já na recepção, ao preencher a ficha, o atendente confirmou seu nome, pegou um bilhete nominal, desejando boas vindas, deixado por uma mulher anônima, com data do dia anterior. Sete dias se passaram, entre museus, livrarias e cafés. Começou a achar que aquilo estava muito chato, porém o bilhete em um hotel aleatório não era coincidência.

No nono dia, já cansado, ao retornar de um passeio pela região, recebe outro recado por escrito, para ir na manhã seguinte à Rue du Bac. Teve um sonho estranho naquela noite - uma pessoa mostrava-lhe um cartaz escrito com a mesma letra dos cartões recebidos - Monstra te esse matrem! Não entendeu nada. Tentou relacionar com o francês e alemão que dominava fluentemente, e até mesmo com o português que pouco compreendia, mas nunca viu aquela linguagem.

Na manhã seguinte um táxi o levou à Rue du Bac, deixando-o em frente ao mais famoso ponto turístico que a identifica. Mas não prestou atenção. Subiu a e desceu a rua uma dezena de vezes. O que ainda não havia notado? A via era estreita, feia e movimentada, cheia de pórticos que dão para o interior dos quarteirões, com moradias, lojas, restaurantes, etc. Passou, por algum motivo, a observar os pórticos, para ver se algo era familiar.

Exatamente em um deles, acima de uma imagem da Virgem com o Menino, estava a frase: "Monstra te esse matrem". Impelido pela ansiedade, entrou naquela galeria, que terminava em uma capela, onde sentou-se no último banco e discretamente tentou recordar alguma oração que sua mãe fazia, mas não lembrava - ela rezava em português e sempre achou a língua difícil e muito estranha. Acabou preferindo o silêncio.

Uma mão feminina, perfumada, tocou-lhe o ombro direito:
 - Adam, não precisa olhar para trás, e não se preocupe, somos amigos. Vá para Le Puy-en-Velay, hospede-se no Hôtel du Parc. Pegue este pequeno envelope, que contém algo que deverá ser entregue a uma pessoa especial, um dos nossos.
- Mas como saberei que será a pessoa certa?
- Você saberá.
- Colocou o pequeno envelope, envolvido em uma nota de dez euros, no bolso do paletó e continuou contemplando o templo.

No dia seguinte preferiu viajar em um TGV, partindo da Estação de Bercy, passando por Clermond-Ferrand, e as seis horas passaram rapidamente em interessante e envolvente conversa com uma moça holandesa, Sharon Janny, que conheceu ainda no saguão de embarque. Descobriram afinidades, locais em comum, gostos identicos, até mesmo que estiveram no show do Bon Jovi, em Zurique, no lançamento de Crush, sendo "It's My Life", coincidentemente a música preferida dos dois.

Ao chegarem na pequena Le Puy-en-Velay, despediram-se. Ficou admirado com sua beleza. Nem reparou o caminho do táxi até o hotel - não conseguia esquece-la. Enquanto saia do carro, uma discreta senhora aproximou-se e de uma forma educada, pediu-lhe auxílio para os peregrinos. Ia dizer não, que nada sabia daquilo, mas agindo naturalmente, com o pensamento integral em Sharon, e no intuito de se ver livre da mulher, enfiou a mão no bolso do paletó e entregou-lhe dez euros. Engraçado, eu nem lembrava deste dinheiro. Deve ser por que era para mim, disse fitando-o - riram muito, abraçou-o e abençoou-o, despedindo com um até breve.

Ao caminhar para o quarto, encontrou com a moça holandesa vindo ao seu encontro, no estreito corredor. Olharam-se apaixonados. Era coincidência demais. Jantaram juntos, embriagaram-se, beijaram e se entregaram a três intensos dias de romance. Descobriu nos passeios públicos que ali era a porta de entrada para o Caminho de Santiago de Compostela, que nunca na vida, até então, ouvira nada a respeito. Imagina só que loucura, andar por quase mil quilômetros, em uma peregrinação a pé, por trinta a quarenta dias, a troco de que?

Sua companheira de aventuras na pequena vila francesa também não dava sinal de que partiria naquela jornada. Na manhã do quarto dia acordou com a suite toda revirada. Uma bagunça completa - a mala cortada, as roupas rasgadas, documentos espalhados. Enquanto tentava entender o que se passava, sentiu um forte baque na cabeça.

Com dor intensa em todo o corpo, hematomas, dentadas e cortes, recobrou a consciência no leito de um hospital. A enfermeira logo chamou o policial que estava à porta. Comunicou-lhe que foi encontrado por peregrinos na estrada de acesso a Chanaleilles, três quilômetros após a saída de Le Puy-en-Velay, há dois dias, nu e desacordado. A princípio suspeitaram de assalto, mas como estava sem documentos e era desconhecido, precisavam do seu relato.

continua

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