domingo, 20 de abril de 2014

Marolinha



Marolinha era uma mocinha linda, de olhar triste, dezesseis anos, corpo escultural, forçada a um casamento de conveniência com Heitor, um português gago, gordo e rico, quarenta anos mais velho, que deu casa e comida para a família, como forma de um acordo para tê-la como esposa.

Na noite de núpcias, assim que iniciaram as carícias, o pobre marido achou que ela deu de ficar doida, pois quebrou o que pode, urrou, gritou, bateu nos peitos com força, arranhou as pernas, puxou os cabelos, pulava e gritava pelos cantos do quarto e nada a fazia parar. 

Olhava para ele com os olhos arregalados e revirados, falava coisas estranhas. O marido entrou em pânico. Trancou a porta do quarto pela tramela, correu até a ladeira e chamou aos gritos um homem desconhecido que passava na rua - Juventino, que o ajudou a segurá-la e amarrá-la até passar a crise. Desde então ficaram amigos e Heitor, crédulo na fé e sob a ameaça divina, estava condenado à prisão perpétua do casamento como dádiva e cruz.

O marido desde então passou a ir todas as manhãs, de segunda a segunda, na Igreja, onde ficava até as nove horas, rezando, contemplando e pedindo uma solução para seu problema.

Um ano havia se passado. Naquele dia Juventino acordou cedo como de costume, passou na feira, tomou uma cachaça, pitou um cigarro, foi na Tenda de Meirinha, pediu para jogar os Búzios, não gostou do que ouviu, saiu dali, passou no Pai Vicente, pediu passe e proteção, subiu a ladeira, entrou na igrejinha do Rosário, fez uma reza prá Santa Bárbara, desceu do outro lado, chegou na casa de Marolinha, já foi entrando pelado e deu logo um tapa estalado na sua face, deu outro, mais um, e quando achou que acabou, ela pediu - bate mais, só mais um! Aí, em situação de controle a possuía de uma forma violenta e concomitante a um indescritível  prazer.

Saiu atrasado pela porta dos fundos, vestindo calça quase no quintal, recebeu os chinelos voando próximo ao rosto, abotoou a braguilha, fechou a camisa, correu pelo beco antes da entrada do marido, que retornava do velório de Francisco Tertuliano, compadre e amigo de longa data. Heitor entrou em casa, deu com Marolinha de olhar abobado, teve pena dela, da sua doença mental, do seu sofrimento devido a uma febre recolhida, conforme diagnosticou o farmacêutico da cidade.

Abriu a porta da venda, de acesso à sala, arrumou as prateleiras, conferiu a gaveta, e começou o dia de trabalho, pálido, em paz e silêncio. O primeiro cliente foi Juventino, que entrou e pediu um fumo de rolo, no que foi logo atendido. Perguntou pela saúde da esposa, no qual Heitor, com voz embargada, disse que não tinha melhora, era vitimada pela loucura.

Então olhou nos olhos de Juventino, e com voz mansa e pausada, pediu um favor ao amigo:
- Juventino, necessito ir a Salvador desenrolar os papeis do inventário do compadre Francisco Tertuliano, e preciso que você fique aqui na venda, tomando conta da casa, da Marolinha e de tudo. É coisa de dez dias. 

Passaram dez dias, quinze, trinta, três meses e nem notícia de Heitor. No décimo mês sem notícias, Caquinho entra na venda e pede um fumo de rolo. Entre uma prosa e um verso, fala que sua tia viu Heitor e a viúva no Rio de Janeiro, numa alegria sem fim.  

Juventino desgostou de tudo, até de ter Marolinha perdeu o jeito. Passou a ir todas as manhãs, de segunda a segunda, na Igreja, onde ficava até as nove horas, rezando, contemplando e pedindo uma solução para seu problema, enquanto Caquinho já chegava batendo na mulata, logo de manhãzinha. 


Bate Caquinho, eu gosto de tapa, bate... murro não... tapa de mão espalmada... bate Caquinho...

É isto aí!

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