A entrevista reproduzida abaixo, publicada no jornal Estado
de Minas em 22 de outubro último é uma das mais impressionantes de todo este processo que envolveu dezenas de personagens no caso mensalão. Deveria ter
maior repercussão. Embora uma defesa pessoal de Cristiano Paz, o publicitário
revela os detalhes da entrada de Marcos Valério nos seus negócios e o
envolvimento direto do senador Clésio Andrade, indicando forte relacionamento dos dois
últimos. O quebra-cabeças, portanto, fica mais complexo e confuso,
envolvendo grandes nomes da política tupynambá.
Vamos ao relato:
"Sou um profissional de criação publicitária. O cliente
me entrega um briefing e eu devolvo uma solução de comunicação. Nesse campo
recebi o reconhecimento do mercado publicitário brasileiro.Como tantos outros
criativos, meu talento nunca foi para números, planilhas ou administração
financeira. Esse defeito de origem me levou ao pior drama da minha vida, uma
tempestade que hoje enfrento, cujo horizonte é somente a minha fé em Deus. Comecei minha
carreira em 1969 e em 1972 fui convidado para ser diretor de criação da
Standard, Ogilvy & Mather, em Belo Horizonte. Onze
anos mais tarde, tornei-me sócio da agência. Surgia a SMP&A, meu primeiro
negócio. Em 1983, incorporamos a P&B e assim surgia a SMP&B, já
totalmente independente do grupo multinacional.
Essa agência foi um sonho. Ganhamos todos os prêmios do
mercado. Jovens e ambiciosos que éramos, partimos para uma iniciativa que
descapitalizou a agência. Em 1990, abrimos um bem montado escritório em São Paulo , centro da
economia nacional. Gastamos tudo que tínhamos em um prédio incrível, afinal o
mercado paulista não admite erros. Terminamos a empreitada descapitalizados.
No início dos anos 90, enfrentamos o Plano Collor. As dívidas
que tínhamos ganharam juros estratosféricos. Administramos essa dívida
galopante por quase uma década. Fazíamos um empréstimo para pagar o outro.
Perdemos crédito, sem perder a confiança. Éramos uma marca forte no mercado
publicitário, com quase 30 clientes e, sob minha direção, a criação brilhava.
Já a conta bancária padecia.
Em setembro de 1994, meu sócio Maurício Moreira, responsável
pelas áreas administrativa e financeira, apresentou-me um resumo dos
resultados. Foi um susto. Ele me poupava no dia a dia do negócio, diante da
situação de crescente endividamento. No mesmo mês, Maurício sofreu um acidente
motociclístico e morreu tragicamente. A morte do sócio e amigo e a crise na
agência me tomaram de assalto.
Nos últimos meses de vida, Maurício, tentando encontrar uma
solução para o que vivíamos, conversava muito com um consultor financeiro,
chamado Marcos Valério. Não sei como eles se conheceram. Mas a intenção era
salvar o nosso negócio.
Algum tempo após a morte de Maurício, Valério procurou a mim
e meu sócio, Ramon Hollerbach. O consultor se propôs a ajudar, buscando
soluções financeiras para a crise. Já estávamos, Ramon e eu, há quase um ano
sem fazer retiradas da empresa. Vendi o meu carro e o da minha esposa. Cheguei
a vender tapetes e quadros da minha casa para me manter. Qualquer um que
surgisse com alguma possibilidade de solução seria muito bem recebido."
Operação salvamento
"De fato, não acreditava que algum investidor entraria
como sócio da agência. Mas Valério conseguiu o que seria quase impossível. O
empresário Clésio Andrade aceitou a sociedade e salvou a SMP&B.
A estratégia foi a criação de uma segunda empresa, a
SMP&B Comunicação. A empresa deficitária ficaria em hibernação e a nova
pagaria as dívidas com os seus resultados. O fato é que Valério negociou com
todos os fornecedores e os débitos foram rolados. Ele foi de uma habilidade
incrível e conquistou nossa confiança.
Na nova empresa, Clésio tinha 40% da sociedade. Ramon e eu
ficamos com 50%. Valério ganhou os 10% restantes, como uma demonstração de
gratidão e uma forma de responsabilizá-lo pela negociação construída.
O drama vivido por nós não era nenhuma novidade no mercado.
Outra agência mineira, nossa concorrente, a DNA, passava pelas mesmas
dificuldades. Daniel Freitas, reconhecido publicitário, me procurou para saber
como conseguimos sair daquele momento difícil. Daniel procurou Valério e a ele
foi oferecida uma solução parecida.
Clésio Andrade comprou metade da DNA, mas não participava de
nada em nenhuma das duas empresas. Era um sócio capitalista típico. Entrou com
dinheiro e recebia os dividendos da operação. Valério ficou como diretor
financeiro e administrativo e atuava nesta posição nas duas empresas.
Em 98, Clésio decidiu entrar na vida pública. Não poderia,
de forma alguma, continuar como sócio de ambas as agências. Na sua saída da
DNA, negociou suas ações com Marcos Valério que as transferiu para a Grafitti,
da qual Marcos, Ramon e eu já éramos sócios. Tornamos então sócios indiretos de
uma empresa na qual tanto eu quanto Ramon estávamos impedidos de atuar,
inclusive por determinação do contrato social. Éramos considerados concorrentes
da DNA.
O Brasil aprofundava sua democratização e as agências de
publicidade tinham um olhar muito atento para a possibilidade de trabalhar em campanhas
políticas. Em curtíssimo prazo, uma agência poderia se capitalizar, algo
impossível na gestão de contas de publicidade com custos operacionais altos.
Afinal, o que se vende em campanhas eleitorais são a capacidade criativa da
agência e o talento de seus profissionais em um período curto e
preestabelecido.
Eu já havia trabalhado, em 1984, na campanha vitoriosa de
Sérgio Ferrara, para a Prefeitura de BH e tive a honra de convidar e receber na
agência para gravar mensagens de apoio à candidatura, figuras políticas
históricas como Ulisses Guimarães, Mário Covas e Franco Montoro e em 1986,
atuamos na campanha para a candidatura de Itamar Franco ao Governo de
Minas."
O começo das transações
"Quando o PT venceu as eleições em 2002, nenhum
empresário em sã consciência se negaria a aproximar-se do partido. Seria uma
porta certa para campanhas eleitorais do PT em todo o país.
Conheci Delúbio Soares, responsável pela administração
financeira do partido, uma pessoa que me pareceu simples. Nós nos encontramos
poucas vezes, sempre em conversas cordiais. Ele pedia opiniões sobre a linha de
comunicação adotada pelo Governo, análises de pesquisas e coisas sobre as quais
eu tinha opinião formada, como homem de comunicação que sou. Nunca discutimos
sobre dinheiro, verbas ou qualquer assunto do gênero.
A única coisa que eu sabia, através de Marcos Valério, é que
o partido precisava de dinheiro para pagar dívidas de campanha e modernizar sua
sede em Brasília.
Ainda , segundo Valério, estava em negociação a possibilidade
de a SMP&B ser uma empresa intermediária para um empréstimo bancário com
essa finalidade.
Ainda pagávamos dívidas da agência antiga e não tínhamos a
menor condição econômica de contrair qualquer empréstimo. Aquilo não fazia
sentido.
Foi quando então o principal executivo do Banco Rural, José
Augusto Dumont - havia alguns anos um dos mais importantes clientes da
SMP&B e um dos maiores e mais respeitados bancos do Estado de Minas Gerais
nos convocou, a mim e ao Ramon, para explicar e pedir nosso endosso.
Disse que faria o empréstimo em nome da agência e que isso
não representava nenhum risco para a empresa. Explicou que isso estava sendo
feito desta forma porque o partido não preenchia as condições legais para
contrair o empréstimo.
O Banco Rural confirmou que a operação era legal e estava
dentro das normas do Banco Central. Estas eram as nossas garantias.
Tendo assegurado pelos advogados sobre a legalidade da
operação, como dizer não a um partido que crescia e se despontava na política nacional?
Nossos recebíveis foram usados como garantia para a tomada
de dinheiro. Vivíamos um momento de aquecimento nos negócios, sempre na
vanguarda da publicidade mineira. Tínhamos uma carteira de clientes que nos
dava base para a conquista de reconhecimento e para a evolução da agência no
mercado.
O empréstimo foi contraído e essa operação foi o início do
meu calvário.
Não tinha o menor envolvimento nas operações financeiras da
agência. Não conhecia o assunto, não me interessava por ele e nem tinha competência
para isso. Além do mais, confiava no sócio que tirou a minha empresa da
insolvência.
O dinheiro entrou. Perto de R$ 30 milhões. Esperava que o
fato seguinte fosse uma saída volumosa para o partido, com um contrato de mútuo
que seria firmado entre o partido e a agência. Mas isso não aconteceu.
As saídas eram feitas em cheques que variavam de 15 a 70
mil, nominais à própria SMP&B, assinados e endossados sempre por Marcos
Valério e um dos outros sócios ou alguém da área financeira. Na prática, eram
cheques ao portador, que qualquer pessoa poderia descontar na boca do caixa
bancário.Na folha de controle da empresa, apenas duas letras: PT.
Os cheques chegavam juntos a outros tantos, para pagamentos
de despesas administrativas, fornecedores, veículos e impostos.
Nas reuniões administrativas da empresa não se discutia
repasses ou saques em dinheiro para o PT. Os temas eram corriqueiros de uma
empresa ou de uma agência de publicidade: mercado, contratações de equipe,
custos e ajustes operacionais.
Mas essa situação começou a me tirar o sono. Certa vez,
quando tive que assinar alguns cheques, chamei a diretora financeira, Simone
Vasconcelos, e disse a ela que aqueles cheques não tinham clareza na informação
de destino. Mais pareciam saques da própria agência. Ela me respondeu que a
orientação era essa; o que não me tranquilizava.
Na DNA, as coisas aconteciam da mesma forma. Na ausência do
representante da Graffiti, os cheques eram enviados para assinatura do Ramon ou
minha. Em janeiro de 2004, recebi para assinar um cheque no valor de 326 mil
reais da DNA, com o formulário "Pagamento a Fornecedor". Valério se
recuperava de uma cirurgia e Ramon estava viajando. Assinei em conjunto com um
dos sócios da DNA.
Para minha surpresa, sei agora pelo STF, que este cheque terminou,
segundo as investigações, nas mãos de Henrique Pizzolato. Funcionário do Banco
do Brasil, cliente da DNA. Pessoa que conheci mas nunca tive relacionamento.
Outros cheques chegaram poucos dias depois. Desta vez, de
valores também altos, já com as assinaturas dos sócios da DNA. Quando fui
chamado para assinar um cheque de R$ 500 mil, recusei-me. Deixei claro que não
colocaria minha assinatura em mais nada em que eu não soubesse o destino.
No dia seguinte, Valério me procurou na presença de Simone e
Rogério Tolentino, para saber se era uma decisão definitiva. Nesse momento, ele
me disse que isso inviabilizaria minha permanência na sociedade da Graffiti,
consequentemente, a minha saída da DNA. Concordei imediatamente e deixei estas
empresas."
A ascensão de Valério
"Valério, a esta altura, ganhava notoriedade. Circulava
entre políticos e empresários o tempo todo. Pouco permanecia na agência. E o
resultado não era o que eu desejava para minha empresa. Esse excesso de
exposição incomodava alguns clientes da SMP&B.
Nunca troquei uma palavra com José Dirceu ou qualquer
integrante da cúpula do Governo Federal. Estive com o ministro apenas duas
vezes, na última fila de cadeiras, em reuniões que tinham a presença de quinze
a vinte pessoas, em seu gabinete. Tenho certeza de que José Dirceu não seria
capaz de se lembrar do meu rosto. Não dirigiu a mim sequer um olhar.
A primeira reunião dizia respeito a um empreendimento de
mineração de nióbio na Amazônia. Compareci a convite do Dr. Sabino, patriarca
do Banco Rural, já falecido, que pediu a minha presença. Eu gostava dele e
atendi o seu pedido.
Na segunda, seria feito um convite ao Chefe da Casa Civil
para a inauguração de uma moderna indústria de enlatados em Luziânia, Goiás. Da
minha parte, via ali a possibilidade de conquistar um novo cliente para minha
agência: a maior indústria do segmento estava para começar sua operação e
precisaria de uma agência de publicidade. O que fiz, qualquer publicitário
faria: uma oportunidade de estar com os empresários e buscar a conta da
Brasfrigo.
Mas na SMP&B a situação estava se tornando
insustentável. As discussões eram ríspidas e decidi também me retirar da
empresa e encerrar a sociedade na SMP&B. Confidenciei isso a apenas duas
pessoas, além de meus sócios: à minha esposa e a Álvaro Teixeira da Costa.
Minha esposa me apoiou e Álvaro, com quem trabalhei diretamente naquele
período, atendendo e criando campanhas para os Diários Associados, me
aconselhou a refletir melhor sobre a decisão, já que a SMP&B era a síntese
da minha história profissional.
Em reunião com os sócios, decidimos que permaneceríamos
juntos até o final do ano de 2005. Eu continuaria cuidando apenas do que era
minha responsabilidade, a qualidade dos trabalhos da agência; Ramon se
dedicaria à operação da agência e Marcos assumiu que os empréstimos seriam
quitados até o final do ano. Não sei ainda se foi a decisão correta, mas mesmo
que eu tivesse saído da SMP&B naquele maio de 2005, não estaria livre dos
ônus que carrego."
Tarde demais
Achei que tinha resolvido a situação. Mas no dia 12 de junho
de 2005, Roberto Jefferson, pessoa que nunca viu meu rosto, estava no Jornal
Nacional dizendo que a minha empresa protagonizou um esquema criminoso, o
chamado mensalão.
A minha fé e consciência me deram o equilíbrio que precisava
para conduzir aquela situação junto a meus familiares, aos funcionários da
empresa e aos clientes.
Vivi momentos difíceis. Num sábado, às 5 da madrugada, a
cozinheira me acordou. Quando abri a porta, dez policiais encapuzados e armados
de fuzis invadiram o quarto em que dormia com minha esposa, na casa da fazenda,
próxima a Ouro Preto. Tiraram a mim e minha esposa da cama, acordaram meus
filhos. Fomos todos reunidos na sala sob a mira de fuzis e vistoriaram a
propriedade em busca de supostos documentos enterrados. Emissoras de TV
acompanharam a operação com helicópteros.
Ao final de uma situação assustadora, os policiais e o
próprio Promotor, com a ordem de apreensão em punho, ficaram constrangidos com
o ocorrido. Saíram sob pedidos de desculpas.
Levado à CPMI, cheguei a admitir ter assinado 20 cheques de
R$ 300 mil sob ataques verbais de parlamentares que me interrogavam com câmeras
e luzes ligadas. Fui convencido de que os tais cheques passaram pelo meu crivo.
Mais tarde, quando as cópias chegaram às minhas mãos, ficou
comprovado que nunca havia visto os cheques e que nenhum deles tinha a minha
assinatura.
Com o final da CPMI, comecei a organizar a minha defesa.
Contratei advogado, mas não consegui convencer a Justiça sobre a verdade do que
aconteceu na minha vida.
No julgamento do mensalão, vejo condenações repetidas e o
meu nome citado como um criminoso.
Dívidas e dificuldades
Para o brasileiro comum, deve restar a impressão de que
desviei verbas e participei de negociatas no Planalto, tramando compra de votos
e vantagens políticas.
Escrevo este depoimento não mais para me defender, porque já
fiz tudo nesse sentido. Apenas para que fique claro, não para meus familiares,
amigos ou ex-funcionários que me conhecem e sabem a verdade, mas para a opinião
pública que, após essa história, só colecionei dívidas e dificuldades.
A agência que criei com muito trabalho e ajuda de muitos
colaboradores se desmantelou do dia para noite. Depois disso, sobraram dívidas
que se tornaram ainda maiores com o financiamento da minha própria defesa, na
tentativa inglória de minimizar os danos de um esquema que passou longe, muito
longe da minha influência.
Minha história profissional de 33 anos junto à Usiminas, criando
campanhas para a empresa e trabalhando diretamente com seus presidentes, Dr.
Amaro Lanari, Rondon Pacheco e Ademar de Carvalho, Paulino Cícero, Luiz André
Ricco Vicente e Rinaldo Campos Soares, está agora sendo questionada e colocada
em uma vala comum.
Convivi com cada um deles, conheci de perto todas as
dificuldades e vitórias desta grande empresa. Relacionei-me com Rinaldo Campos
Soares, homem íntegro e bom. Acompanhei sua trajetória de engenheiro e técnico
em Ipatinga, passando a chefe da usina, até se tornar presidente. Rinaldo
brifava diretamente comigo as campanhas da Usiminas. Por esse relacionamento
construído ao longo de 16 anos, atendi a um pedido seu. Não fiz repasses ou
corrompi um político ou partido. Pedi à área administrativa que fizesse a
doação e cuidasse das providências necessárias. Nada mais.
Ao longo do julgamento, vejo a minha competência criativa e
de todos os profissionais que trabalharam na agência ser desmerecida quando
dizem que houve desvio de verba no contrato da Câmara dos Deputados. Criamos
peças de comunicação para as diversas comissões; desenvolvemos estratégias e
campanhas para momentos importantes no país: o Estatuto do Desarmamento, o
Estatuto do Idoso e Igualdade Racial e a abertura da comunicação da Câmara junto
ao público infantil.
O trabalho desenvolvido foi sério, compromissado e foi
entregue. Não houve subcontratação; não houve desvio. Está tudo documentado,
com seus originais e comprovantes, nos autos.
Não tive a chance de ser interrogado diretamente pelos meus
julgadores. Para mim, teria sido importante responder diretamente aos que hoje
me julgam, que eles pudessem me dar a oportunidade de olhar nos meus olhos e
conhecer a verdade sobre a minha participação em tudo isso.
Me vejo na iminência da condenação em um julgamento em única
instância e, só o que me resta é dizer o que houve, com o coração apertado.
Confiei cegamente em profissionais que dominavam a complexidade das operações
financeiras. Não sou quadrilheiro, nem tomei parte de nenhum grande esquema de
poder no país. Sou um criador publicitário que não soube enxergar os riscos.
Se assim não o fosse, talvez como muitos, estaria na sala de
casa, assistindo ao julgamento e, no escuro dos fatos reais, das verdades
individuais, concordando com cada decisão. Mas hoje, acima de tudo, agradeço a
Deus pela oportunidade desse pequeno testemunho da verdade que vivi.
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